segunda-feira, 25 de março de 2013

Empacou

Queria se imaginar numa cadeira de balanço sem sossego, xingando da varanda. Plantar a carranca do lado da porta, uma espada-de-são-jorge e comigo-ninguém-pode só por causa do nome, citar os profetas, as vozes-contraste barradas do cânone. Reclamar das notícias na banqueta do boteco ao tragar a aguardente. Jogar tranca, buraco, truco, gritar doze, meio pau, fazer a dama, derrubar o rei na praça. Tinha de ter força para aposentar tudo que estava escancarado, tudo que se vê por aí. Preferir os miolos no meio-fio a ter de abrir a mente. Ver o movimento, a meninada rebolando em vão, de um lado pro outro, que beleza, escarrar ao volante. Queria era criar caso. Ao invés disso, lá está confortável a poltrona, com um dos quatro pés meio capenga. Não tem varanda nem carro, porque seu bolso também se calou. Tudo o que esse velho consegue é aproveitar o novo, as ninharias que até ontem estavam num camelô, que alternam de trono a cada semana. A fila do banco e da fézinha, a fila para comprar patinho moído, tudo no bolso, às vezes no pulso, nos olhos, no rabo. Cochicha cristos, reza assobiando uns ss cabisbaixos, um pai-nosso em pózinho diluído numa água quente sem cor. Ignorou os fatos para manter e lamber o afeto pelas pessoas. De nada adiantou se trair. Logo se omitiu, conservou os queridos, aqueles que cada vez mais aquiesciam com a roda da fortuna para depois perder um a um no ar. Eram os que franziam o cenho e rosnavam pelo osso. O velho sempre soube que todos estavam juntos no mesmo quintal, atrás da grade do portão. Só restava ladrar e ladrar e ladrar enquanto as coleiras cheiravam e mijavam no poste em frente. Mesmerizado pelo todo, ainda que abrissem o portão, o velho ia se deter ali babando, com medinho do desconhecido, acostumado ao mesmo, a latir pelo mesmo, a mesmar escondido atrás da cortina de ideias que reiteram o mundo. Gosta de achar shakespeares em novela, como quem faz palavras cruzadas, cercado pelos livros que não leu. A diversidade logo ali na mercearia, dobrando a esquina pro shopping, saindo pelas telas da casa, que barato, sentando no meu sofá. Graças a deus, todos são donos de si, que beleza. Pro bem de todos, a regra vai confirmando a regra. Omisso, sumiu na sombra da sala, o rosto consumido pela luz de uma tela.

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