quinta-feira, 25 de março de 2010

Saûsubeté



Pois é, amo muito a Ju! Aqui não é uma esfera muito pública (nem tão privada assim), então não tenho receio de expôr parte do meu íntimo nesta página. É fato, amo demais, sentimento que se traduz melhor em uma linguagem que escapa ao português e ao espanhol, tão velha que foge o calendário dos homens. Felizmente, a Ju está aproveitando uma passagem de ida e vinda na sua vida, coisa que me contenta e faz acreditar que essa distância possa trazer boas experiências pra mim, nesse lado brasileiro.

Tive bastante tempo pra me acostumar com a ideia da partida.

Nessas últimas semanas, revi a vida que poderia ter sido e aquela que será. Conheci seus pais, suas irmãs, fui muito bem recebido em Sorocaba, tive chance de me sentir mais próximo e participante de sua vida. Foi muito bom! Me senti muito acolhido, talvez porque ela tenha falado de mim e eu tenha ouvido bastante sobre eles, com toda curiosidade que tenho. Há exatamente uma semana eu a deixei no aeroporto de Guarulhos, depois de pequenas desventuras em série. Avião rumo a Santiago do Chile, sem maior temor por conta dos terremotos. Até saiu um poema daquele episódio, mas enfim... Digamos que eu e a Ju tivemos bastante tempo pra nos despedir, hehe.

Sodade!

quarta-feira, 24 de março de 2010

Fórmula Pasticcio-Pasteur



Existem muitos formatos que só têm verniz e não têm invenção
"Marcianos Invadem a Terra", Legião Urbana


Algumas pessoas descobrem suas fórmulas quando muito ocupadas ou cansadas. É assim que pensadores falam besteiras, escritores resumem vida e obra ao pastiche, músicos pop lançam coletâneas ou canções inéditas que soam um lixo, escultores usam formas de gesso e pintores pintam a mesma coisa mudando só a tinta. Vive-se do respaldo do respeito adquirido na época em que ainda se produzia algo relevante. A obra não vale, mas sim a produção por trás. A fórmula se rende ao óbvio e ponto final. Traço pasteurizado.

Revirei o passado, busquei poemas rebuscados e repaginei muito, do jeito que gosto e com o cuidado de pingar e secar palavras. Simplesmente parei de escrever os fatos aqui. Digamos que eu já tinha boas doses de refúgio, então desisti de aparecer. Essa é a diferença entre a narração e a descrição. É difícil explicar os detalhes da imagem em movimento se não houver pausa ou fechar o foco. Como tive pouco tempo pra viver eventos, preferi vivê-las mesmo tendo o batente, passes, quadro negro etc.

No meio disso, resolvi me reinventar. Tive ausências que resultaram em alguns surtos exclusivamente pessoais. A paz atribulada passou a ser atribulação comedida, ira latente, acumulando raiva e rancor. Nunca estive tão furioso com tudo e todos; isso tem sido apaziguado na medida que desperto o acordo com a espiritualidade. Não é uma medida paliativa, um remédio; é a cura que é indissociável da melhora!

E quanto mais me reinvento, mais sinto saudade de como de fato eu sou. Inevitavelmente traço até o ponto de fuga, o meu jeito normal.

Descubro todos os dias o estado líquido do vidro. Até perceber que o recipiente, em dois mil anos, pode também ser o conteúdo se exposto às intempéries e erosão. Tudo isso sem quebrar, apenas deixando existir.

terça-feira, 23 de março de 2010

Zero



velho diálogo de Abel e Caim
de um lado baby boomers
e de outro homens-bomba
números se anulam na equação:
(...)

sexta-feira, 12 de março de 2010

quinta-feira, 11 de março de 2010

terça-feira, 9 de março de 2010

Ganga de Vil Metal


"Deus é o teto da casa
O diabo é a porta dos fundos"
Deus e o Diabo, Titãs


Abriu a porta, começou a entrevista
Não é estrela nem capa de revista
Esboçou na voz sua rasa ambição

Há pouco enchia de quinas sua silhueta
com o correr das horas numa pulseira preta
Com o estar apático e estático até então

Disfarçou o brilho de suor
E arriscou uma cortesia opaca e pior
Arruinando a seriedade de antemão

Iniciou na cadência regular da sulfite
Uma lista singela, um possível palpite
Currículo sem estrela, um mato sem cão

Temeu muito se apresentar pelo nome
Ainda assim o fez, esqueceu do medo que sentia do homem
Que sentava à sua frente, na frente de um trovão

Fio grosso de etéreo carbono flutuante
Levava pouco a pouco muito da sua saúde de implante
Erguida no canto da boca, de pé no chão

Assim era a casca de linho do senhor poupança
Que por dentro era pobre, cheirava a cobrança
Envolto de milhões de gravatas costuradas a mão

O pobre lamentou seu nome de pessoa sem sua graça
Caiu-lhe a ficha criminal de sujo na praça
Porque antes devera a um burguês um tostão

Implorou perdendo toda a compostura
Se jogou de joelhos a roupa suja e escura
Sujeitando-se até a uma quase escravidão

O Seu Couro-caro então sorriu olhando o ar
Que quisera arremessar milhos antes dos joelhos o chão tocar
Para outro pranto parar da lágrima a aproximação

Disfarçou seu riso tolo, todo untado a ouro
E abaixou a cabeça, sem cair a coroa de louro
E propôs lhe dar algo com valor de latão

Jogou no chapéu do pobre um tilintar banal
Que mais lhe era ganga de vil metal
Pois lhe renderia algum pão

Um sujeito que não podia usar chapéu
Amassara o pão nosso que estava no céu
E logo percebeu que não era só um humilde varão

Viu que era um jovem de uns tantos mil anos
Que como proletário áureo, devia traçar planos
De uma pujança de mais alto calão

Antes, ao entrar na sala, era só a negra corrupção
Então ele disse que o verde deveria existir na escuridão!
E assim foi gravado no papel o sifrão

Tentou o caro amigo caro a pegar atalhos
E ele tropeçou, caiu, e o seu tenro terno em retalhos
Rompeu o seu fraco status de franco patrão

Assim aquele saciou sua sede, sua ânsia
De se consumar como o eterno consumidor de vingança
Assinando como um bonzinho vilão.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Botox ou Durex

ao dia internacional da mulher

"Nu cubista" (1915), Anita Malfatti


cruzamento da 25 de Março e a Oscar Freire
manequins
comprimidos no vidro do balcão

Lexotan, Xanax,
Botox, Rolex,
Durepox, Durex:
Tiranossaurus rex

Na mesa
Tesoura, linhas,
Corte e costura, ponto e cruz,
Bisturi e sutura. UTI. Emergência. SUS.
Silicone. Andaime.
Madame em construção
Crochê? Touchét!
Fricassê? Jamais!

Se abaixe! É liquidação!
Trapos em cabides de 30kg
Nas passarelas pálidas, amarelas –
Pouco barro e muita costela
Necessaire de tinta e verniz
Vasos sem raízes, vazios
A verdade em varizes
Paris! Venice!
Cútis de BR
Celular, celulite
Salto alto, artrite
Pague só no próximo mês

Shampoo anti-cáries que deixa seus cabelos mais brancos
Creme dental anti-caspa para dentes secos e rebeldes

Ninguém reflete com espelhos
A chapinha vence a genética
Uma bunda queima na chapa,
Gordura à milanesa
Turistas no quiosque:
– Come on...
Batendo uma
pelada.

A cara carece alegria
assoa, soa alergia:
falta pó branco os lábios vermelhos queda da bolsa sob os olhos mais [roxos de blush.
– Um tapa pra acordar.

Toda coisa cara
Por um precinho camarada

sexta-feira, 5 de março de 2010

Travessa


Cena de "Um cão andaluz", de Luis Buñuel


Dali a uma hora o terminal de ônibus estaria lotado. Felizmente, o seu chefe tinha dispensado os seus serviços às quatro. Já era esperado, já que causara tantos problemas na recepção do consultório. Segundos entregando currículos pelo Centro, fora admitida assim que ouviram sua história tão estória. Naqueles dias, estava cansada de bater perna naquela multidão atrás de pechincha e da baixa qualidade que vem de brinde. Cansava-se dos sujeitos atrás de balcões de compensado e lonas tomadas por muambas. Ali, depois de perder tempo ao olhar relógios obviamente falsos, comprou um par de pilhas para ouvir seu som no caminho até o terminal. Olhando para os lados, como quem faz algo de errado, certificou-se da provável ausência de ladrões, antes de tirar da bolsa o dinheiro. Igualmente desconfiada, pegou o troco virando o máximo possível sua mão, para não tocar a do camelô. Conferiu o troco agarrada à bolsa. O ambulante dera o dobro. Por engano. Saiu andando, como rosto revelando uma curiosidade súbita em uma vitrine opaca, e seguiu sem ao menos observá-la.

Sua impaciência estapeava o tamanco contra a calçada. A publicidade gritada, rimada, pouco convincente àqueles ouvidos, agora competia com a lembrança do que viria a fazer nos próximos dias. Lembrou. Agora, sua paciência costurava a massa confusa de barganhas, oportunidades e leve-um-pague-meio. Aplaudiu o salto no brilho do mármore. Entrara na loja pensando em sua mãe. O terminal estaria lotado em breve, mas não poderia cancelar aquela estranha troca: três notas e um punhado de moedas por um sorriso no rosto da mãe. Ela adorava. Aliás, o dia de todas elas chegaria, motivo que enchia os vãos nas calçadas com mais quinquilharias e gente. Gente que entope a cômoda das mães com porta-retratos de plástico espelhado. Imaginava o rosto da senhora refletido torto no retrato, a emoldurar aquela foto do fim do meio do álbum.

A nuvem de pensamentos e ideias se desfez. Sabia que logo viria um toró, por isso apressou-se a pegar os botões de rosas e o pequeno cartão. Embrulharia depois, só não sabia como. Avançara de encontro ao movimento contrário. Ganhava tempo ao ir para o asfalto, acompanhada por um teto nebuloso ainda mais escuro. Aos muitos sentia a fumaça que anuncia a proximidade do terminal. Correu para atravessar a rua ruidosa. O som dos motores engasgados no álcool misturava-se ao rasgado trovão que logo apertaria um punhado de gente aos limites do teto de cada ponto de ônibus da cidade. Inútil. Senão por cima, por baixo se molharia. Ilusão.

Abriu o zíper, com a mão vasculhou cegamente a confusão de currículos, panfletos amassados, papéis de bala e notas na bolsa. Viu uma em que tinha o telefone de seu pai. Pegou o cartão que comprou para sua mãe, e correu para o orelhão. Telefonou para o seu pai, avisando que passaria na casa da mãe. Trocou meia trúzia de palavras sobre ela, e correu para o ponto no terminal, despedindo-se do velho com "ahans" expressamente conclusivos e desinteressados em delongas. Vasculhou a bolsa mais uma vez para pagar o homem. Viu que esquecera o troco na floricultura. Faria falta? Depois das pilhas, não. Sentada no banco, pegou o aparelho que ganhara do ex e inseriu as pilhas vagabundas. O som do trovão e do motor ganhava mais um amigo para rugir nos seus ouvidos. E seja feita a santa trindade. Aos poucos, sentiu a condução em seu tempo, no ritmo dos tons, dos buracos das ruas; o balanço dos altos (e baixo), das pessoas com o frear no sinal. O motorista pisou no freio, na embreagem, acelerador, na distorção. Com vozes e esquinas dobradas, depois do cobrador tirar notas com uma moeda, alguns passageiros atentos dedilharam as cordas avisando o homem lá na frente que devia parar o compasso. Uma batida violenta e quebrada cadenciou o trânsito. Avançava um pouco e parava. E assim foi, com o ronco pigarreado do veículo, intercalado por vozes caladas aprisionadas em cada cabeça cansada, sem ao menos alcançar a boca e estalar na língua a indignação do congestionamento. Tsc.

O pobre diabo poderia ter batido noutro momento, assim não quebraria o tempo de tanta gente. Ou noutra avenida, noutra vida. Ave Maria, Pai Nosso, ia morrer de um jeito ou de outro, mas faria o favor de liberar o trânsito. O ônibus seguiria adiante, as pessoas atravessariam a cidade, uns de um lado para o outro e ele dá vida para a morte. Por duas horas, talvez, estivera de olhos fechados num sono sem sonhos. Contudo, tinha objetivos. Depois daquela tarde inútil, dera alguns passos atrás. Ia pedir conselhos para sua mãe. Queria ver seu sorriso. Talvez pediria desculpas. Fora desonesta consigo mesma, orgulhosa quando travava olhares contra o espelho. Tinha culpa por todos aqueles anos. Sabia que seu chefe vasculhara a mesa da recepção; e pela ligação, sua mãe já deveria saber. Afinal, sabia de tudo. Sabia da mesa recheada de currículos amassados, más impressões, jato do tinta, regrinhas da ABNT, acompanhados de panfletos anunciando o consultório, o vidro de tampa rosqueável lotado de uma multidão de balas. Ela sabia que sua mãe viera. Vinha sempre. De vez em quando ia ao centro da cidade, lá no trabalho dela, pegar os recados da mãe. Os mesmos conselhos... Aprendeu a acreditar naquele bando de besteira. Desde a separação dos pais, quando era bem pequena, admitia a decisão do juiz em visitá-la só uma vez por semana. Consolava-se que, num futuro próximo, empregada e estudada direito, ia morar com a mãe de uma vez.

Puxou a corda. Viu que, depois de muito balanço, no ouvido, não ouvira a grávida que há muito pedia o seu lugar. Lamentou consigo, massageando o ego ao pensar no bem que fizera a si mesma ao refletir sozinha sobre sua conduta e sobre os conselhos da mãe. Se estivesse de pé, o máximo de reflexão que teria seria o sexo do bebê da moça.

Com o breque, a grávida escapou. O ônibus freiou bruscamente, e ela descuidou sua mão do bastão perpendicular ao teto. Caiu de lado no chão, com o choque amortecido pelas pernas cambaleambulantes de outros passageiros de pé. Pensou em ajudá-la, mas exitou demais; chegara ao seu destino. Se algo tivesse lhe acontecido, ali mesmo, naquele ponto, poderia contar com o hospital. Rezou sussurrando, daquele jeito que só os ss e zz aparecem. Zzzz. Até porque, ali no chão poderia ser ela; sabia que Deus era justo e bom consigo. Desceu nervosa com os atrasos, e viu que naquela região a chuva ainda não havia chegado.

Abriu a bolsa, nem tão desconfiada como antes. Puxou as rosas, que na bagunça de papéis desavisaram os cegos dedos sobre os espinhos. O céu testemunhou. Ave Maria e Pai Nosso. Jesus. Ismael. Oxalá em São Paulo. E do céu caíram as gotas, competindo acirradamente com a gota de sangue que vertia do dedo, numa corrida interminável no ritmo dos santos. Quem tocou primeiro o chão não foi água, nem o sangue, nem vinho. Pode ter sido o cuspe do moleque, ou a cápsula do projétil que saiu do revolver, no outro lado da cidade. A grávida, lá no ônibus, queimou largada feio.

Assim a travessia se fez. A rua logo viraria rio, e água de baixo não se protege com guarda-chuva. Depois de pegar as rosas, seu destino seria o terceiro meio-fio, depois da ilha na avenida. Do Eixão pra Eusébio Matoso. Atravessou antes da água.

Entrou lá. O portão estava sempre aberto. Ia lá sempre, era conhecida. Os vizinhos olharam, enquanto ela caminhava até a mãe. Apertou os botões de rosa contra o peito. Apertou os espinhos na mão. A chuva apertou. Correu. Não da água, mas sim de ansiedade. Avistou! Era ela.

O sorriso era o mesmo. Nunca pôde ver aquele rosto. Não sentiu pêsames; era nova quando seus pais se separaram. As gotas pesadas lavavam a tumba, e o retrato espelhado com a foto de meio de álbum ficava cada vez mais gasto. Sua mãe não costurava multidões, ela passava, e sentia. Não ligava para troco. Não comprava. Só sorria, na lápide, acima do epitáfio que nunca teve. Ganhava flores com freqüência. Visitava uns, no centro, e passava uns recados. E ela lia, contente, imaginando como seu pai era feliz com a sua mãe antes do juiz decidir sobre a separação e a freqüência das visitas. Mais tarde, morariam juntos. Os três sabiam disso.

Ela caiu no ônibus. Súbito; tudo muito rápido, mais do que as mãos dos outros passageiros. Fora levada ao hospital, onde o martelo tocou a mesa, onde o corpo, com hemorragia interna, tocou a maca, onde os médicos foram os advogados de defesa. E a jovem estudante de Direito foi embora, deixando o bebê com complicações. A menina, que chorava seu nascimento prematuro, parecia reclamar a presença da mãe. Mas dali seria sempre guiada. O metal gelado do estetoscópio tocou o peito minúsculo e sadio. E eles ouviram a música compassada e acelerada, o bumbo batucando por baixo das finas costelas.

Sorria. Ela sorria. Não precisava de epitáfios. As rosas que se acumulavam, qual um jardim póstumo, serviam de mensagens sobre o amor tecido pela filha. Uma rosa valeu mais que mil lágrimas. Um sorriso valeu mais que mil rosas. A visita havia acabado. Não era aniversário, nem finados, nem dia das mães. E ela saiu da casa de sua mãe. Cruzou os mausoléus, as cruzes que jaziam sobre as costas de tantos, as que se firmavam na terra.

Naquele dia ia para casa a pé. Antes olharia para os dois lados, e atravessaria a rua. A água arrastava, brava. Porém, sabia que ia para a outra calçada. Olhando para os dois lados.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Telemarketing


ando
endo
indo
ondo
undo

segunda-feira, 1 de março de 2010

Richter Hertz Parkinson


agulha rompe a carne
soltam os pontos da terra
dispara o alarme
arranha os sulcos do vinil
o volume amplifica-se
do meio-fio ao pavio
ponta fina rabiscando papel
psicografando o chão
dentes rangem as cáries
terra intransigente
fura e injeta na corrente
teme o balanço e cisma
instantes calam ruídos
tatua os delitos
vigas entortam em arco
cobertura roçando térreo
telhado e calçada em atrito
duas cascas em reco-reco
involuntários passos
recuam ecos contrários
à cervical que desmonta
do pé até a ponta
a paz desligada
pelo fio da tomada
versão oito ponto oito
oito em ponto
em ponto e cruz