sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Duas torres

A um ausente
(Carlos Drummond de Andrade)

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,
enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A volta do pai pródigo

Ele é do tipo cabeça-dura e amo ele ainda assim. Não via a hora de revê-lo tranquilo, longe dessas viagens longas do trabalho. É do interior, mas gosta mesmo é de litoral - tanto que os lugares que mais gostou foram a Bahia, Espírito Santo e minha casa. Não adiantava rodar por Minas nem ficar no meio da queima de cana de Piracicaba; o negócio do meu pai é mar, mesmo; não tem jeito.

Engraçado, ele foi o meu primeiro contato com pensamentos conflitantes. Uma pessoa tão sentimental e romântica, que mostra o quanto tem dessas qualidades só quando convém, pra preservar a face. Mas o velho chora quando toca uma música que lembra do pai, ou do sítio do vô dele, o Seu Leopoldo. Aquele lá matava boi com marretada na cabeça.

Meu pai não cansou de trabalhar. A contrário de mim, que demora pra chegar nos finalmentes, ele já foi engraxate, cobrador de ônibus, ajudante de posseiro. Uma vez, quando eu tinha dezoito, ele teve a ideia genial de se aposentar. O homem quase enlouqueceu de tanto tempo que nadafazia, bundando na tevê e no sofá. Controle na mão, um canal por segundo. Não demorou pra voltar a trabalhar.

Quis ser ou foi transferido algumas vezes, emprestado. Foi pra Piracicaba, onde passou um bom tempo, deixando saudade que não dá pra matar com visita ou outra. Nos deu um susto em janeiro, mas graças a Deus isso se resolveu... ninguém pode contra a vontade d'Ele. Se se diz jovem, então acabamos de voltar pro segundo tempo.

Sessenta anos como um flash. Sorrindo pra foto, cabeludo, rayban no bolso. Aquela carteira cheia de documentos, o canivete que corta até pensamento, rg de sabe-deus-quando. O espírito e as manias de justiceiro. Mudanças bruscas de assunto quando não há interesse. O rádio que quebrou quando o Corinthians perdeu. Os dois sentados tentando assistir um baile contra a Portuguesa Santista - e eu com medo dos fogos. Cartas de amor pra minha mãe. Fotos da minha irmã sentada no Opala. Estilingada no capacete, em algum campeonato. O telefonema dele, dizendo que tava voando no céu - seguido da minha calada inveja. Sessenta anos passando devagarinho.

Das vinte e quatro horas do dia, uma parte a brisa sopra do mar até a orla. De longe se vê as chaminés, imaginando os potes carriers e os tratores com pneus de dois metros. Cheiro de pastel de carne da feira, manhã de sábado, mortadela frita. Na outra parte dessas horas, o vento sopra em direção ao mar. Vai adorar ver aquela estátua tosca de peixe na entrada de Santos.

Ele volta amanhã. Osem Pirasykaba suí. Oîebyr paranãme.

Obrigado! Agora aproveita e engorda teus netos, por favor!

terça-feira, 1 de setembro de 2009

"Liberdade" ainda que tardia

Finalmente, entreguei o relatório final da minha pesquisa de iniciação científica. Não foi exatamente como imaginei, mas minhas conclusões ao longo da pesquisa seguiram a mesma linha. Teria ficado realmente decepcionado se não tivesse corrido com os textos no final. Ler tudo atropelado deu resultado e me deixou satisfeito.

Pra quem não sabe, eu pesquiso a lata de lixo da literatura. É tudo aquilo que se lê da esquerda pra direita que vende mais que água e não é se quer comentado na faculdade de Letras. Lembra daqueles livros que disputam espaço na prateleira daquele tio que não gosta de ler, ou ficam no cesto junto de revistas velhas de moda? Sim, leio Paulo Coelho, Sidney Sheldon, Stephenie Meyer, André Vianco, J.K. Rowling, Dan Brown e John Grisham. O que eles têm em comum? São todos best-sellers.

A minha ideia é trabalhar com esses livros sob diferentes perspectivas. Não gosto do método acadêmico, então lá vai a "inovação": estudo enciclopédico. Quero malhar o mesmo corpus usando áreas distintas em cada etapa de estudo. Agora foi a iniciação científica (um TCC não obrigatório, às vezes financiado por um órgão de apoio à pesquisa), e o foco foi Semiótica (de escola francesa, da linha de A. J. Greimas). O próximo provavelmente seja o mestrado, mas o foco ainda não decidi. Estou em dúvida se será antropológico ou mercadológico, não sei. Depende se vou encontrar quem queira ser meu orientador.

Ah sim, o Waldir. O cara é excelente professor! Foi meu orientador nesse ano de pesquisa, mas fomos muito negligentes um para com o outro. Temo não ter aproveitado o tempo em que estive sob sua "tutela".

As aulas voltaram normalmente e ainda não pude me dedicar como quero por causa do relatório final. Agora que ele saiu, tudo volta ao seu lugar.

Hoje moro na sala do apartamento do Crusp, onde me adaptei bem. Estou muito feliz, pois amigos meus de Santos estão vindo para S.Paulo trabalhar e morar por aqui. Dois amigos vão se casar nesse domingo - e estarei lá! Ah, claro... acabei de encontrar uma pessoa muito especial que infelizmente vai voltar amanhã para o seu país.

Continuo cavando músicas, fazendo shows, acompanhando as aulas. Lamento alguns problemas bem sérios no lugar onde toco, mas está fora do meu alcance tentar solucioná-los. Está mais pra particípio do que pra gerúndio. Ainda que não aparente, faço o possível.

Daqui a duas semanas a turma de mocidade espírita da qual sou dirigente vai começar. Mas esse assunto fica para outro momento.