domingo, 7 de abril de 2013

Um sorriso nos lábios

"E aliás, cá pra nós, até o mais desandado dá um tempo na função, quando percebe que é amado.

E as pessoas se olham e não se falam, se esbarram na rua e se maltratam. Usam a desculpa de que nem Cristo agradou. Falô! Cê vai querer mesmo se comparar com o Senhor?"

Criolo em "Ainda Há Tempo"

É domingo e eu estava no metrô muito cheio. O transporte público é um imenso laboratório, pois muita gente fica mais próxima fisicamente de um desconhecido do que dos filhos, da esposa, do marido. Enfim, num momento em que as portas foram seguradas, a maquinista deu seu aviso de jeito engraçado, pausado e bem silabado, de forma que o trem inteiro riu e eu também, até porque foi uma situação inesperada. E se fosse segunda-feira?

O riso salva do mau humor. Penso que as paixões são reguladas como um copo d'água usado para limpar o pincel: cada cor flutuando é uma sensação a qual se foi exposta e são anuladas quando decantam ao fundo. A crosta que se forma embaixo é a ganga do garimpo de experiências que vivemos, é a soma de decepções e sucessos que nos tornam sonhadores, ranzinzas, ressabiados, valentes etc. Não é nenhuma novidade científica, não estou inventando a roda com isso: a bile negra, o spleen e os hoje tão famosos "neurotransmissores" teorizam sobre o tema.

O riso no metrô na segunda-feira até poderia instigar relações mais harmônicas entre as pessoas. Faz de você mais arlecchino, clown, pierrot, mais colombina. Mas ainda que resolva a questão do "pratique a cortesia", o riso momentâneo nos salvaria dos problemas que nos fazem mal humorados, tristes, irritados na rotina? Uma conta, um conserto ou o próprio transporte público?

É a cultura do não-atrito, que despreza variáveis e arredonda pra cima os ânimos coletivos. Gravidade é dez, pi é três e não há moeda de um centavo no troco. Essa cultura não necessariamente acarreta em sorrisos falsos ou sinceros, apenas amansa todos ao mesmo tempo, para que eu e você nos sintamos mais "civilizados". A classe média não gosta de fazer barraco, mas enche o peito no anonimato do telefone para se esguelar no SAC de algum serviço mal feito.

Essa mansidão é vasta, é alarmante e está no ambiente corporativo, acadêmico, religioso etc. É um comportamento que está na rua e já entrou na sua casa. Convence todos de que bater de frente não compensa, é se arriscar por pouco, de que isso não é uma atitude cristã. É a geração dos bundões que sorriem quando convém e maltratam quando dá na tampa e ninguém está vendo; que são cavaleiros valorosos online que não sustentam a mesma força num papo de bar; que se dizem tolerantes segurando risada numa piada preconceituosa, acreditando que livram a sociedade dos estereótipos, que suas risadas numa piadinha maldosa reforça esse preconceito; gente que gosta de sintetizar toda sua racionalidade com uma tirinha, um même que alguém aí fez. Todos de parabéns.

Por um lado, o riso não é a cura de tudo: sorrir e se calar frente a qualquer adversidade é dissimulação, é aprender a ser falso e acumular ódio para espalhar aos outros ou arquitetar a revanche. Por outro, rosnar para todo e qualquer movimento brusco é ser estúpido. Partir pro braço é ter preguiça de articular argumento. Ser crítico e exigente não pressupõe ser mal-educado.

O saldo que faço do riso é que ele ajuda a derrubar a primeira barreira entre as pessoas. Só não vire palhaço.

Nenhum comentário:

Postar um comentário