quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Yvy marã e'y

"Acho que é direito deles [índios] ter as coisas que a gente tem... eles não pode se isolar assim, ficar longe de supermercado, assim sem conforto... não pode."

Como não? Quem me dera ao menos uma vez ter o conforto que os índios têm sem precisar sofrer as cobranças do nosso mundo... Foi com essa cara indiferente e por dentro indignado que eu, mais uma vez, não levei a sério um comentário. Num momento infeliz, um senhor e também aluno de Tupi resolveu dizer isso dentro do templo guarani da aldeia que visitávamos. Sim, visitei uma aldeia guarani!

Estudo Tupi antigo desde o começo de 2008. Parei por um ano por causa das férias do professor e por outros interesses. Voltei no semestre que acaba de acabar; é uma das poucas coisas que sento pra estudar pra me divirtir. Nunca foi fardo pra mim.

A ideia era ir para Peruíbe (Iperó'y-pe), mas acabamos indo para Parelheiros, extremo sul da zona sul da capital. Só mato, e mais de duas horas e meia pra chegar, depois de muita estrada de terra, sem contar o trecho a pé. Acompanhados pelo Navarro, nosso professor, conhecemos um pouco daquele povo humilde e aculturado.

Não cultuo o que pessoas "normais" chamam de atrasado. O fato é que a galera de tanguinha nunca pensou que progresso fosse necessário. O que chamamos de desordem é uma ordem que lhes convém.

A aldeia não é bonita e é qualquer coisa entre a civilização (não civilizada) e a barbárie (muitas vezes avançada). Por isso, não consegui ter a comunidade Krukutu como exemplo contrário ao mundo de congestionamentos e rio fedido. Até porque lá havia pias, concreto, tijolos, telas de amianto em cima de construção de pau-a-pique, escola com livro didático e alfabetização em português e guarani. E eles têm um templo! Já se percebia uma mistura, claro, com cultura europeia. E no altar tinha barco e crucifixo, juntos... Porém, talvez os guaranis não estivessem vivos sem a Companhia de Jesus.

Isso tudo existe ao passo que também não acredito que se precise sumir no mato pra afirmar sua existência. Nem usar o dobro de penas na cabeça. Quanto mais se procura, mais se acha carnaval e menos antropologia.

Afinal, o que é ser índio? É a nudez, é o sangue, é o língua que não tem limite no Google Earth? Pois é... como diz um poema que li hoje, há muito mais cinza em meio ao preto e branco. E eu passei no vestibular da Unicamp pelo sistema de cotas para minorias raciais. Um falso índio num país americano em que ser índio é minoria. Engraçado.

Como seria se eu entrasse em contato com um povo supostamente superior que tem uma maneira fácil e barata de não consumir água, combustível ou, melhor ainda, escovar os dentes? Essa é a hora em que eu esqueceria a tradição.

Descanso. Querem descansar. Dizem que precisam de trabalho. Ah, mas trabalhar pra quê? Pra ter dinheiro. Pra quê? Pra comprar coisas. Pra quê? Pra não precisar cozinhar, costurar. Pra quê? Pra ter tempo livre. Pra quê? Pra descansar. Aposentadoria? Pra descansar. Descanso.

Olha, quase que esse meu surto me convenceu. Porém, dois dias depois comecei a trabalhar.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Enricrescer

Tinha aparecido do nada. Estava começando as férias, dois dias depois da minha última prova do ano, depois de ter me formado em Línguística - ainda faltam Português e a Licenciatura, ou seja, um ano. Bem rápido. Num dia, as oportunidades sem maçanetas. No outro, a possibilidade de um emprego. Entrevista, admissão. Apesar de eu ter fugido disso depois de ensaiar os primeiros passos como jornalista ao prestar vestibular, hoje tenho um emprego na área de comunicação.

Pois é, súbito assim. Mais do que um salário, acredito que meu maior lucro vai ser trabalhar em algo que não esteja dentro do cercadinho do previsível. Os bicos de monitor infantil e animador de festa existiram em razão de uns trocados. E vocalista de banda continua sendo um dos meus planos B, ainda que eu queira mais ser músico de um instrumento "externo". Não tenho um plano A, pois pressupõe que todos os outros planos estejam um degrau abaixo na hierarquia de sonhos. O peso da idade e da responsabilidade em cima desta são, ainda por cima, o agravante de alguma providência. Que bom que seja nesse sentido, em algo que me enriqueça como Thiago e não como pessoa jurídica, como número e dados. Passou o tempo do "não há culpa em não se ocupar" ao pé da letra.

A reação pareceu tácita, mas a farra foi grande aqui dentro. Por incrível que pareça, oito horas por dia completam a alforria do ócio que me mantinha numa estaca zero qualquer. E ainda tenho banco de horas! Vou estar bem ocupado na semana, o que fecha o ciclo desse ano de fim de graduação. Já estava com gostinho de quero-menos. Não estou com saco pra leituras obrigatórias que me guiem rumo ao básico daquilo que não quero. Por isso, procuro sempre o que me dá na telha. Daí o tupi, antropologia, hebraico, história da música, indústria fonográfica e literatura de mercado.

Sei que vou tomar muito na cabeça por causa dessa minha cisma em variar e experimentar sempre. É a hora e vez de Augustinho. É essa insistência, ou melhor dizendo, é essa esperânsia que me mantém firme. Do contrário, eu seria alguém que procuraria um curso que me desse um emprego futuro muito bem pago e não uma faculdade com estudos bons e, melhor ainda, no presente. Ego, hic et nunc.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Zíper



, passeata, parada, procissão,
greve, expediente,
rave, sinfônica,
tarde de autógrafos, execução de reféns,
inauguração, evento, falência,
sala de espera, maratona,
aperto de mãos, decisão,
abraço, chave de braço,
ponta-pé, dor de cotovelo,
quebra-cabeça, marcha ré,
imbecil, por gentileza,
piada, lágrima,
pânico, gargalhada,
doutores da alegria,
gangue do palhaço,
lanchonete, pão e circo,
assembleia, rebelião,
enterro, noivado,
meus pêsames, parabéns,
chabu, shabat,
famiglia, quadrilha,
dekasseguis, retirantes,
coiffeur, necrotério,
senzala, saguão de hotel,
carro abre-alas, ambulância, safety car,
trio elétrico, cortejo fúnebre,
jejum, fast food, marmita, a la carte,
contrato, papel higiênico, guardanapo,
sebo, brechó, bolsa de valores,
esmola, superávit,
banco central, caixinha de doações,
camisa de força,
campanha do agasalho,