quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Yvy marã e'y

"Acho que é direito deles [índios] ter as coisas que a gente tem... eles não pode se isolar assim, ficar longe de supermercado, assim sem conforto... não pode."

Como não? Quem me dera ao menos uma vez ter o conforto que os índios têm sem precisar sofrer as cobranças do nosso mundo... Foi com essa cara indiferente e por dentro indignado que eu, mais uma vez, não levei a sério um comentário. Num momento infeliz, um senhor e também aluno de Tupi resolveu dizer isso dentro do templo guarani da aldeia que visitávamos. Sim, visitei uma aldeia guarani!

Estudo Tupi antigo desde o começo de 2008. Parei por um ano por causa das férias do professor e por outros interesses. Voltei no semestre que acaba de acabar; é uma das poucas coisas que sento pra estudar pra me divirtir. Nunca foi fardo pra mim.

A ideia era ir para Peruíbe (Iperó'y-pe), mas acabamos indo para Parelheiros, extremo sul da zona sul da capital. Só mato, e mais de duas horas e meia pra chegar, depois de muita estrada de terra, sem contar o trecho a pé. Acompanhados pelo Navarro, nosso professor, conhecemos um pouco daquele povo humilde e aculturado.

Não cultuo o que pessoas "normais" chamam de atrasado. O fato é que a galera de tanguinha nunca pensou que progresso fosse necessário. O que chamamos de desordem é uma ordem que lhes convém.

A aldeia não é bonita e é qualquer coisa entre a civilização (não civilizada) e a barbárie (muitas vezes avançada). Por isso, não consegui ter a comunidade Krukutu como exemplo contrário ao mundo de congestionamentos e rio fedido. Até porque lá havia pias, concreto, tijolos, telas de amianto em cima de construção de pau-a-pique, escola com livro didático e alfabetização em português e guarani. E eles têm um templo! Já se percebia uma mistura, claro, com cultura europeia. E no altar tinha barco e crucifixo, juntos... Porém, talvez os guaranis não estivessem vivos sem a Companhia de Jesus.

Isso tudo existe ao passo que também não acredito que se precise sumir no mato pra afirmar sua existência. Nem usar o dobro de penas na cabeça. Quanto mais se procura, mais se acha carnaval e menos antropologia.

Afinal, o que é ser índio? É a nudez, é o sangue, é o língua que não tem limite no Google Earth? Pois é... como diz um poema que li hoje, há muito mais cinza em meio ao preto e branco. E eu passei no vestibular da Unicamp pelo sistema de cotas para minorias raciais. Um falso índio num país americano em que ser índio é minoria. Engraçado.

Como seria se eu entrasse em contato com um povo supostamente superior que tem uma maneira fácil e barata de não consumir água, combustível ou, melhor ainda, escovar os dentes? Essa é a hora em que eu esqueceria a tradição.

Descanso. Querem descansar. Dizem que precisam de trabalho. Ah, mas trabalhar pra quê? Pra ter dinheiro. Pra quê? Pra comprar coisas. Pra quê? Pra não precisar cozinhar, costurar. Pra quê? Pra ter tempo livre. Pra quê? Pra descansar. Aposentadoria? Pra descansar. Descanso.

Olha, quase que esse meu surto me convenceu. Porém, dois dias depois comecei a trabalhar.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Enricrescer

Tinha aparecido do nada. Estava começando as férias, dois dias depois da minha última prova do ano, depois de ter me formado em Línguística - ainda faltam Português e a Licenciatura, ou seja, um ano. Bem rápido. Num dia, as oportunidades sem maçanetas. No outro, a possibilidade de um emprego. Entrevista, admissão. Apesar de eu ter fugido disso depois de ensaiar os primeiros passos como jornalista ao prestar vestibular, hoje tenho um emprego na área de comunicação.

Pois é, súbito assim. Mais do que um salário, acredito que meu maior lucro vai ser trabalhar em algo que não esteja dentro do cercadinho do previsível. Os bicos de monitor infantil e animador de festa existiram em razão de uns trocados. E vocalista de banda continua sendo um dos meus planos B, ainda que eu queira mais ser músico de um instrumento "externo". Não tenho um plano A, pois pressupõe que todos os outros planos estejam um degrau abaixo na hierarquia de sonhos. O peso da idade e da responsabilidade em cima desta são, ainda por cima, o agravante de alguma providência. Que bom que seja nesse sentido, em algo que me enriqueça como Thiago e não como pessoa jurídica, como número e dados. Passou o tempo do "não há culpa em não se ocupar" ao pé da letra.

A reação pareceu tácita, mas a farra foi grande aqui dentro. Por incrível que pareça, oito horas por dia completam a alforria do ócio que me mantinha numa estaca zero qualquer. E ainda tenho banco de horas! Vou estar bem ocupado na semana, o que fecha o ciclo desse ano de fim de graduação. Já estava com gostinho de quero-menos. Não estou com saco pra leituras obrigatórias que me guiem rumo ao básico daquilo que não quero. Por isso, procuro sempre o que me dá na telha. Daí o tupi, antropologia, hebraico, história da música, indústria fonográfica e literatura de mercado.

Sei que vou tomar muito na cabeça por causa dessa minha cisma em variar e experimentar sempre. É a hora e vez de Augustinho. É essa insistência, ou melhor dizendo, é essa esperânsia que me mantém firme. Do contrário, eu seria alguém que procuraria um curso que me desse um emprego futuro muito bem pago e não uma faculdade com estudos bons e, melhor ainda, no presente. Ego, hic et nunc.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Zíper



, passeata, parada, procissão,
greve, expediente,
rave, sinfônica,
tarde de autógrafos, execução de reféns,
inauguração, evento, falência,
sala de espera, maratona,
aperto de mãos, decisão,
abraço, chave de braço,
ponta-pé, dor de cotovelo,
quebra-cabeça, marcha ré,
imbecil, por gentileza,
piada, lágrima,
pânico, gargalhada,
doutores da alegria,
gangue do palhaço,
lanchonete, pão e circo,
assembleia, rebelião,
enterro, noivado,
meus pêsames, parabéns,
chabu, shabat,
famiglia, quadrilha,
dekasseguis, retirantes,
coiffeur, necrotério,
senzala, saguão de hotel,
carro abre-alas, ambulância, safety car,
trio elétrico, cortejo fúnebre,
jejum, fast food, marmita, a la carte,
contrato, papel higiênico, guardanapo,
sebo, brechó, bolsa de valores,
esmola, superávit,
banco central, caixinha de doações,
camisa de força,
campanha do agasalho,

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Ensino: distância com a linguagem acadêmica



A efemeridade do final do século XX se evidencia fortemente pela consciência acerca de si, curiosamente em partes adquirida pela fácil obsolescência das inovações de um ontem recente. Este mundo – onde o novo se basta como argumento – se manifesta com tanta força que ele consegue ainda ser mantido, mesmo que o novo seja reinventado de hora em hora pelos homens. As gradações do que chamamos “apego” passaram não a ser questionadas, mas sim alteradas de prontidão, lançando mão desse paradigma de aparente e relativa cicatrização das mudanças.

Embora pareça ser de domínio tecnológico, esse novo paradigma barra o campo das relações humanas e emperra o fluxo da educação. Observa-se que, no campo comportamental, a ausência de “bom dia” é favorecida pelos fones de ouvido dos que disputam espaços de pé no ônibus. O isolamento literal das pessoas é a verdadeira eliminação do convívio diário de contrastes ideológicos em sua expressão mais rudimentar: a fala.

Por mais que o número de pessoas cresça, sua variedade estagna-se ou diminui quando se pensa sob o prisma da ausência de política e na presença de panfletos. Algumas facilidades tornam a multidão visivelmente pluralizada quanto às roupas; porém, no bojo da questão, vê-se que o modo de caminhar denuncia o quanto os indivíduos são sozinhos frente à tolerância ideológica de grupos distintos dos seus. A polidez, para uns, é sinônimo de etiqueta, prepotência, modos abastados; e a polícia muitas vezes é vista como corrupção e violência. Sendo verdadeiras ou não, essas impressões, unicamente captadas pela observação (esta abstraída de questionamentos), esvaziaram o sentido cunhado na origem desses vocábulos e suas funções de manutenção da polis. Os preconceitos contam com o respaldo de seus feudos ideológicos e se defendem nesses cercados fomentados pela inovação.

Se antes se lançava mão de um ensino elitista ou vorazmente contrário ao laico, hoje tais valores são ignorados pelos alunos e se rivalizam em suas carteiras estojos e celulares. A dinâmica do exterior da sala de aula é outra a ponto de o dispêndio de forças, ao estar sentado frente ao quadro-negro, reconstrua os pensamentos dos professores sobre as medidas a serem tomadas para conquistar a atenção dos alunos e convencimento da relevância do conteúdo lecionado na vida de cada um deles. É enorme o contraste entre o aprendizado e a apreensão de curiosidades de entretenimento instantâneo. O ritmo exigido do aluno para compreensão de métodos práticos, conteúdos ou conceitos pede a demora de uma digestão e não somente o ato de engolir. Contudo, barra-se na intenção do poder - em ter como finalidade o que há de mais prático.

Entre os desafios, depois de vãs tentativas de eliminação da hierarquia entre alunos e professores com base na sublimação do lúdico; depois, inclusive, da traiçoeira impressão de esperança por parte dos adultos em um mundo novo edificado pelos recém-chegados, tem-se ainda a adesão aos valores de inclusão da criança ao mundo “deserto”. Na vida cotidiana, as supostas ferramentas tecnológicas, já saturadas em sua função, há muito deixaram de ser meios para serem objetos finais. Aos poucos se implantam esses recursos na sala de aula e esta não se encontra como alguém que necessita de um transplante, mas sim como um hospedeiro. Não se trata de um ensino sendo debilitado somente na área das humanidades. Um professor de física ou de literatura precisa lançar mão de informações comuns de um profissional de sua área, embora, para lecionar, isso não baste. A experiência da interação entre alunos em um ambiente comum por horas a fio é algo que a tecnologia não pode proporcionar por webcams e conexão a cabo.

Este mundo, que teoricamente se constrói pela aparente pluralidade de pensamentos - no ponto de vista mais quantitativo que se possa dizer –, dissemina uma sincronia de impressões e anula o que poderia haver de verdadeiramente plural. A educação, em meio a isso, sofre influências do mundo ao passo que se confronta com sucessivos fracassos de novas tendências pedagógicas.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

As sugar and spice

"(...) um sorriso amigo que transbordou a cor da tela pra cima do que desbotou; as letras da página perderam parágrafo pra se segurarem juntas e não voarem, e serem lidas sem pausa pra fôlegos; e ainda por cima embaçou minhas lentes, e toda nitidez que tive saiu pra passear sem aviso."


Na noite desse dia, há um mês, comecei uma música nova quebrando a paleta de cores. Tudo diferente, é verdade. Atentei para os arranjos, aproveitei toda nitidez de antes, passei aguarrás na escala do violão; a Ju me ajudou muito com a tela e as cores e violei aquela moldura nova de madeira que preguei com argumentos pra mim mesmo.

Eu teria motivos pra interpretar esse dia como véspera de outra data, mas felizmente os tempos ventam em outro sentido. As pessoas têm seus papéis por um tempo determinado. Se esse tempo quer dizer pra sempre, que bom!

O que importa, acima de tudo, é que estamos (e estou) muito bem... E faz muito tempo que eu não me sinto assim. E isso se agrava ainda mais quando se pensa na bad trip pela qual eu passei. La tiniebla se dissipou faz tempo. De nada adianta clareza se for monocromática.

Isso tudo foi ao mesmo tempo em que tive aquela epifania que aos poucos tá me reconstruindo como um outro amigo, irmão, filho e namorado.

Continuo o mesmo desligado de sempre, mas não displicente. Talvez esteja mais desligado, por estar apaixonado... Desligado até mesmo dentro do que sinto. Todo bobo.

domingo, 15 de novembro de 2009

Choro cauterizado

Fico muito triste quando vejo alguém passando por problemas, sofrendo somente suas próprias lágrimas, sem reflexão sobre sua dor - e, consequentemente, sem aprendizado posterior.

Sei que, apesar de refletir sempre sobre a minha dor, não tenho tido bom proveito disso, e muitas vezes me revoltei contra alguns dos meus mais sólidos ideais... Parece um autoflagelo moral, que em seguida chega a uma anestesia dessa humilhação que tanto tinha a me ensinar e me salvar.

No meio disso tudo, felizmente acontecem coisas simples e sinceras que me remonta, peça por peça, me dando nova estrutura para poder um dia compreender tudo de cada sofrimento meu.

Ainda, sei que eu não suportaria nenhum calvário no degrau em que me encontro. Minha luta de última hora só serviria para emoldurar o mártir que não sou e que sucumbe às aparências.

- -

Coroa

eu tiro o meu chapéu
pra toda pessoa que se opõe
luto véu de viúva, cabelos alvos
todos estão carecas de saber
que o tempo tira o fio da mente
visto a boina devagarinho
não me interessa se ela é coroa
procuro uma coroa de louro
mas infelizmente
resta a coroa de espinhos

terça-feira, 3 de novembro de 2009

domingo, 25 de outubro de 2009

Hey

Não eram nem seis meses depois de ter terminado a escola. Ainda me reunia com os amigos daquela época. Cada um começava a ter idade pra dirigir e tirar carta, se divertir muito com pouco no bolso.

Foi a mesma época em que comecei a ter internet em casa. Eu já colecionava mp3 antes disso, quando tinha duas HD de 500 Mb cada - eu gostava de "tudo", embora na verdade eu fosse muito pouco flexível, rodando só os clássicos e modinhas de rock. Conversava muito pela internet, e foi assim que conheci alguns dos meus grandes amigos. Estava em dúvida sobre o que prestar no vestibular, não tocava nenhum instrumento e não tinha curiosidade disso.

Isso foi no começo de 2003.

Por mais que alguns nunca tenham sido meus grandes amigos, eram as verdadeiras pontes para alguns êxitos meus. Foram algumas influências e contatos que me levaram, por exemplo, a conhecer pessoas que conheciam pessoas que conheciam outras pessoas e muitas delas, ao mesmo tempo, se tornaram, em algum nível, amigas minhas. Nessas amizades, duradouras ou não, eu me mesclei com os objetivos dos outros, uma vez que não tinha os meus próprios. Foi assim que, por curiosidade do novo e fidelidade aos amigos, comecei a cantar, ler e a rezar - atividades que norteiam a minha vida.

Esses são os tais êxitos, pois me tornaram aquilo que tento resumir em algumas palavras. Gosto do acaso.

Muitas dessas pessoas não existem mais para mim e nem faço questão de que existam. Agradeço muito pela importância que um dia tiveram e sou grato pela importância que já tive. Hoje isso tudo faz sentido, até porque penso que tenham seus papéis na vida de cada um, como influência ou câmbio, sem que seja necessariamente para sempre. Tiveram seu papel na minha vida e ponto final. Deixaram de existir por mérito do acaso e da aparição das diferenças - ainda bem que nunca somos os mesmos. Pouco caso muito frequente.

Algumas pessoas já existiam e ganharam novos sentidos na minha vida. São poucos os casos, embora muitos sejam bons! Um ótimo exemplo é um sorriso amigo que transbordou a cor da tela pra cima do que desbotou; as letras da página perderam parágrafo pra se segurarem juntas e não voarem, e serem lidas sem pausa pra fôlegos; e ainda por cima embaçou minhas lentes, e toda nitidez que tive saiu pra passear sem aviso.

Outras pessoas eram muito próximas, e por minha culpa - minha tão grande culpa - se afastaram. Talvez eu já tenha cumprido o papel na vida de cada uma delas. Talvez eu tenha pisado na bola ao não dar atenção, e meu jeito desligado ter se tornado um jeito indiferente. Transformado, transtornado. E recentemente me sentia muito mal com o jeito que tenho. A ausência causou um amargo de ter sempre um mar diante da janela e isso não adiantar nada, porque todos estão atrás, pra dentro, no sertão do cotidiano. Nesse caso, olhar pra trás é olhar pra si. Não vou fazer promessas para rever pessoas, e nem revê-las. Quero voltar a participar da memória desses. A mudança é muito maior do que uma prática, porque é interior.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Poesia

A última vez que eu escrevi foi num dia importante. O meu onze de setembro não é de 2001 e sim em 1973. Não é sobre coroas e armas que vou falar aqui dessa vez. Na verdade, coloquei um texto de um poeta que gosto - entre outros com os quais me identifico muito - que acerta muito numas horas. Embora eu me arrisque, e também rabisco uns versos.

Sim, escrevo alguma poesia. A frequência com que as escrevo não é regrada e certinha. Ora sai de uma vez um monte, ora sai pingado. Tem hora que não consigo. Mas discutir o método é coisa íntima demais pra expor aqui. "- Ah, então falar sobre seu pai, a ex-namorada, como se sente e o que pretende usando a internet não é íntimo o bastante?". Não, não é! Pelo menos pra mim. É tudo muito... como diria umas amigas minhas, "barroco": excesso de informação causa falta de informação. Aposto que, se os sites de notícias fossem mais limpos e cheios de imagens piscando, eu ia ler notícia por notícia. E a internet é assim mesmo, bagunçada; não é um número, como o telefone, mas sim um endereço num espacinho no alto da janela, um amontoado de letras com as quais você acessa informações ou não.

Voltando ao assunto - ainda no assunto. Amontoado de palavras, certo? Pois é. Comecei escrevendo em folhas avulsas de fichário, aquelas antigas, de três furos. Depois me rendi ao imediatismo: passei a divulgar pela internet, em meu antigo blog (de março de 2003 até maio de 2005 e deletado!). Depois os poemas começaram a ser criados com algum intuito musical, até eu perceber que experimentalismo tem limite. Os poemas cresceram conforme fui crescendo. Já cheguei a usar métrica e achar que com isso eu estava fazendo a pura poesia do Renascentismo. Já usei muito a segunda pessoa pra me referir ao eu ou ao ele, só pelo preciosismo. Cansei de adjetivar. Adoro paradoxos, justapor contrários. E brinquei com palavras em parônimos, polissemia, anagramas, metonímias. Normalmente, eu caía no erro de comentar os poemas nas postagens desse meu blog. Se hoje fosse fazer algo assim (se), eu faria de frente pra pessoa interessada. Enfim, todo passado soa imaturo a quem vive o presente.

O curioso foi como o estilo muda conforme envelhecemos. Não passou tanto tempo assim, são só oito anos... Mas em arte isso significa muito. Tendo como parâmetro o futebol brasileiro, é só pensar nos oito anos que separam as ""decepções"" de 1998 e 2006 ou nos ""glorificantes"" oito anos entre 1994 e 2002. Nesse ínterim, o que aconteceu no mainstream musical? Renato Russo, Kurt Cobain, Cássia Eller e muitos outros foram embora, e muitas influências boas e ruins apareceram. O Renato foi o meu primeiro inspirador, e música e poesia pra mim sempre se confundiram muito - assim como esses parágrafos se misturam em assuntos. Só lida, a poesia tem um ritmo que parece imitar instrumentos, sendo que na verdade são eles que imitam a fala sólida.

Procurei as Letras justamente porque eu escrevia. Antes eu pensava em Jornalismo, e me desiludi com essa ideia de trabalhar em escala industrial, sendo que na época não acreditava em eficiência nisso. Ainda hoje não acredito, embora eu me venderia se fosse bem pago. Mas eu percebi que meu curso tinha uma demanda muito maior em leituras, coisa que sempre fiz muito devagar. Como vocês perceberam, nada do que gosto eu consigo fazer aos montes, e dessa vez acabei aceitando muito bem. E hoje vejo cada versinho que fazia com outros olhos, e percebo que desenvolvia detalhes muito interessantes mesmo sem qualquer requinte de erudição.

Hoje, aquelas folhas de fichário caberiam num papelzinho de sorteio de amigo secreto. Este aqui foi o último que fiz ainda nessa safra "minimalista". Lá vai.

- -
Herpes

sapinho
beijinho
principezinho

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Duas torres

A um ausente
(Carlos Drummond de Andrade)

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,
enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A volta do pai pródigo

Ele é do tipo cabeça-dura e amo ele ainda assim. Não via a hora de revê-lo tranquilo, longe dessas viagens longas do trabalho. É do interior, mas gosta mesmo é de litoral - tanto que os lugares que mais gostou foram a Bahia, Espírito Santo e minha casa. Não adiantava rodar por Minas nem ficar no meio da queima de cana de Piracicaba; o negócio do meu pai é mar, mesmo; não tem jeito.

Engraçado, ele foi o meu primeiro contato com pensamentos conflitantes. Uma pessoa tão sentimental e romântica, que mostra o quanto tem dessas qualidades só quando convém, pra preservar a face. Mas o velho chora quando toca uma música que lembra do pai, ou do sítio do vô dele, o Seu Leopoldo. Aquele lá matava boi com marretada na cabeça.

Meu pai não cansou de trabalhar. A contrário de mim, que demora pra chegar nos finalmentes, ele já foi engraxate, cobrador de ônibus, ajudante de posseiro. Uma vez, quando eu tinha dezoito, ele teve a ideia genial de se aposentar. O homem quase enlouqueceu de tanto tempo que nadafazia, bundando na tevê e no sofá. Controle na mão, um canal por segundo. Não demorou pra voltar a trabalhar.

Quis ser ou foi transferido algumas vezes, emprestado. Foi pra Piracicaba, onde passou um bom tempo, deixando saudade que não dá pra matar com visita ou outra. Nos deu um susto em janeiro, mas graças a Deus isso se resolveu... ninguém pode contra a vontade d'Ele. Se se diz jovem, então acabamos de voltar pro segundo tempo.

Sessenta anos como um flash. Sorrindo pra foto, cabeludo, rayban no bolso. Aquela carteira cheia de documentos, o canivete que corta até pensamento, rg de sabe-deus-quando. O espírito e as manias de justiceiro. Mudanças bruscas de assunto quando não há interesse. O rádio que quebrou quando o Corinthians perdeu. Os dois sentados tentando assistir um baile contra a Portuguesa Santista - e eu com medo dos fogos. Cartas de amor pra minha mãe. Fotos da minha irmã sentada no Opala. Estilingada no capacete, em algum campeonato. O telefonema dele, dizendo que tava voando no céu - seguido da minha calada inveja. Sessenta anos passando devagarinho.

Das vinte e quatro horas do dia, uma parte a brisa sopra do mar até a orla. De longe se vê as chaminés, imaginando os potes carriers e os tratores com pneus de dois metros. Cheiro de pastel de carne da feira, manhã de sábado, mortadela frita. Na outra parte dessas horas, o vento sopra em direção ao mar. Vai adorar ver aquela estátua tosca de peixe na entrada de Santos.

Ele volta amanhã. Osem Pirasykaba suí. Oîebyr paranãme.

Obrigado! Agora aproveita e engorda teus netos, por favor!

terça-feira, 1 de setembro de 2009

"Liberdade" ainda que tardia

Finalmente, entreguei o relatório final da minha pesquisa de iniciação científica. Não foi exatamente como imaginei, mas minhas conclusões ao longo da pesquisa seguiram a mesma linha. Teria ficado realmente decepcionado se não tivesse corrido com os textos no final. Ler tudo atropelado deu resultado e me deixou satisfeito.

Pra quem não sabe, eu pesquiso a lata de lixo da literatura. É tudo aquilo que se lê da esquerda pra direita que vende mais que água e não é se quer comentado na faculdade de Letras. Lembra daqueles livros que disputam espaço na prateleira daquele tio que não gosta de ler, ou ficam no cesto junto de revistas velhas de moda? Sim, leio Paulo Coelho, Sidney Sheldon, Stephenie Meyer, André Vianco, J.K. Rowling, Dan Brown e John Grisham. O que eles têm em comum? São todos best-sellers.

A minha ideia é trabalhar com esses livros sob diferentes perspectivas. Não gosto do método acadêmico, então lá vai a "inovação": estudo enciclopédico. Quero malhar o mesmo corpus usando áreas distintas em cada etapa de estudo. Agora foi a iniciação científica (um TCC não obrigatório, às vezes financiado por um órgão de apoio à pesquisa), e o foco foi Semiótica (de escola francesa, da linha de A. J. Greimas). O próximo provavelmente seja o mestrado, mas o foco ainda não decidi. Estou em dúvida se será antropológico ou mercadológico, não sei. Depende se vou encontrar quem queira ser meu orientador.

Ah sim, o Waldir. O cara é excelente professor! Foi meu orientador nesse ano de pesquisa, mas fomos muito negligentes um para com o outro. Temo não ter aproveitado o tempo em que estive sob sua "tutela".

As aulas voltaram normalmente e ainda não pude me dedicar como quero por causa do relatório final. Agora que ele saiu, tudo volta ao seu lugar.

Hoje moro na sala do apartamento do Crusp, onde me adaptei bem. Estou muito feliz, pois amigos meus de Santos estão vindo para S.Paulo trabalhar e morar por aqui. Dois amigos vão se casar nesse domingo - e estarei lá! Ah, claro... acabei de encontrar uma pessoa muito especial que infelizmente vai voltar amanhã para o seu país.

Continuo cavando músicas, fazendo shows, acompanhando as aulas. Lamento alguns problemas bem sérios no lugar onde toco, mas está fora do meu alcance tentar solucioná-los. Está mais pra particípio do que pra gerúndio. Ainda que não aparente, faço o possível.

Daqui a duas semanas a turma de mocidade espírita da qual sou dirigente vai começar. Mas esse assunto fica para outro momento.

domingo, 30 de agosto de 2009

Pôster

Rituais, imagens e incensos são necessários a cada um de acordo com seu modo de ver Deus. Eu não sinto necessidade disso, a não ser alguma regularidade de oração.

Porém, eu cultuo muita coisa que não vem de Deus. Claro, se o mundo é material, que usemos a matéria; mas o culto é de Deus. Ídolos, hábitos, convicções e posturas são mais presentes em mim do que um simples "pai-nosso" sibilado baixinho e decorado, por exemplo.

Eu sinto que para me livrar disso tudo eu teria que abrir mão de amizades e gostos que têm também muitas qualidades. As coisas de Deus não são tão abitoladas, fanáticas. Jesus não pregou contra os reis, mas sim quanto àquilo que ostentavam de mais supérfluo - ouro, e não as virtudes.

Prefiro aprender a viver com esses cultos exteriores para o meu bem, sem me desgarrar dos ensinamentos. Alguns sacrifícios são bons... mas alto lá!

Pausa aí. Isso.

Não é um espírito que me habita, pois eu sou o espírito - e quem é habitado é meu corpo. Toda matéria é ferramenta, é meio, instrumento. Logo, não devo enxergá-la como uma finalidade, um objetivo. Voltemos ao "tenho, logo existo". Ou entremos no "tenho logo, agora, já".

Tenho sim minhas lutas por conquistas mundanas, mas muitas se justificam como aquisição de mais ferramentas para objetivos nobres. Aliás, um trabalho não é só uma oportunidade de ganhar dinheiro, como também a grande chance de vivenciar convívios conflitantes, provações de caridade, fazer amigos. Tudo depende do modo como as encaro.

Mesmo assim, me prendo em algumas práticas, repetindo vontades superficiais - como uma diversão barata que supostamente não faz mal a ninguém. Mas ainda sinto dificuldade de separar o bom do Bem. Não sei o que é joio e o que é trigo nalgumas vezes. E não faço a menor ideia se meus talentos podem servir fora da matéria, fora da mera boa intenção, seja diversão ou instrução.

domingo, 16 de agosto de 2009

Enemia

Eu costumo dizer que, apesar da minha veia jornalística, eu não sirvo para trabalhar nessa área por causa da minha incapacidade de síntese imediata. Espero o tempo engatilhar. Demora até que o filme se revele.

A revelação e apocalipse chegam juntos. Hoje são sinônimos. O Leo falou que já estamos no último livro. Verdade. Mas depois desse livro a leitura continua – nas páginas amarelas. Ser e ter, actually y atualmente, são verbos parecidos. Só muda uma consoante – a letra s é vizinha da letra t – e o sentido é próximo.

Objetos tem grande relevância nas nossas vidas por culpa de nós mesmos. Uma hora vamos embora dessa frequência (não desse mundo, pois é o mesmo, a Obra é uma), para depois termos a oportunidade de habitar outros corpos; mas tudo fica. Somos substantivos abstratos.

É estranho, mas um par de patins mudou minha vida. Aquelas rodinhas giraram e geraram implicações interessantes – em português claro, eu rodei. Cinco reais pedidos e conseguidos no Tietê salvaram a vida do meu pai; uma inscrição de última hora fez com que eu conseguisse conhecer grandes amigos na escola, os mesmos que me incentivaram a me matricular numa universidade que vai me dar uma profissão que bata cartão e férias de fim de ano.

As implicações, aliadas aos compassos binários em outros aspectos da minha vida, tiraram o amor e a paixão. Passio. Meus passos estão menos apaixonados, mais passivos. É natural que seja assim e assado. Apesar de tudo ter seu brilho, não estou apaixonado por ninguém, nem amando como antes estive. A vontade de estar junto é grande e está unida com a falta que a falta faz. Também a música perdeu sua cor, sinestésica ou não – a paga vale muito a pena.

O fato de ter novos amigos oferece a chance de me reinventar. Mais uma camada de tinta por cima da massa corrida. E velhos amigos rebobinam a fita, eu querendo ou não.

sábado, 25 de julho de 2009

Twitter #01

O pequeno tá dando mais chute. Critico muito, mas sinto inveja de tudo que tem pretensão de se dizer eterno afetivamente

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Vocalista - e não cantor.

Vocalista não se basta. Preciso de um grupo em que todos tenham igual valor, e gosto disso.

Pra quem não conhece, aquelas frases do “Repertório” eram versos das muitas músicas que compomos ao longo de seis anos e meio de amizade. Foram algumas pausas, regadas a poesia e base, idas e vindas. A Retroavantes era o mais próximo do que queria ver num palco, só que eu estava ali. Bem, é estranho, demorou pra cair a ficha; tudo o que eu me conheço por vocalista (não sou cantor) foi aplicado ali. Obedeci, claro, a muitas coisas criadas por eles, mas se o fiz é porque a composição dos meus amigos tem credibilidade. Estaria sozinho, mas temos – eu e o Leo, graças a ele, a quem agradeço muito – Os Cadillacs, meu emprego aos finais de semana. Ainda não fazemos shows na freqüência que desejamos porque ainda estamos vinculados apenas ao Cadillac Vintage Bar, aquele lugar retro e saudosista no Centro de Santos, que tanto nos acolhe.

Sozinho, sigo o sonho de fazer arte através de tudo que vivo, cada placa de trânsito, cada livro, vírgula, atchim, cada cena de cinema barato, cada busca na internet, ângulo de foto, cada beijo compartilhado, cada reparo, corda estourada, rouquidão, batuque. Eu estaria em uma fase “audiotopia”, música understream, popular e itinerante, mas me julgo imaturo demais pra isso – fica pra posteridade! Enquanto isso, vou cantando ainda em inglês e português, todo rock e pop antigo que ainda reverbera na cuca de quem nos assiste. Aprendi, nesse exato instante em que escrevo (mesmo!), que não devo trabalhar com aquilo que quero aprender agora, mas sim trabalhar com o que já sei. Estou muito acostumado a aprender. O que eu mais fiz até hoje foi ser saudosista; posso ganhar a vida com isso, cantando o que as pessoas querem ouvir.

Todo tipo de indagação sobre ter um repertório pop já me afligiu antigamente; hoje não faz sentido questionar o gosto de quem me paga. Todo centavo ganho com música é especial, pois a possibilidade de conseguí-lo é menor, tamanho o estigma que essa profissão carrega.

Não escolhi caminhos fáceis; sinto-me angustiado por não poder me dedicar como quero àquilo que me traria retorno imediato, e não somente despedir pacientemente meia década de carteira, livros e notas. Pra mim, música e literatura, isoladas uma da outra, são excelentes – e insuficientes. Não basta fazer só uma das duas.

Quero braços levantados para tirarem dúvidas! Quero braços levantados para cantarem junto! Só não sei se é mais ano letivo ou turnê de álbum novo.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Repertório do próximo ensaio:

Caminhava por aí. Era princípio de um ideal, miragens de luz e cores. Apesar do moderno existir, o antiquado veio. Quatro jovens sem poder entre quatro paredes, por mais de seis anos. Só queria sonhar. A soma deu menos no caminho da minha ganância, iludido, esperando retribuição e respeito. Era acordar para ver um novo dia. A meta, em si, era só ir. Mas nada vale a pena sem o subir.

À tua esperança, Retroavantes, uma rosa, a nossa que não tem gosto de ferida. Ocasião que aconteceu, não sei em que lugar. Os demandos com explicação são heranças que acordam. É a hora de beber a água nua, deixar a onda nos socar como a maré do mar. É a busca que me toca.

Pra que se importar? Existe possibilidade? Por que teve começo? Pseudo, louco, mas explicável: pelo sentimento que há entre nós. Amor que reina e vicia. A nossa história nos faz lutar. Embora não meça seus erros. Rancores, desafetos; o trabalho tirou o sossego.

Corre tempo. Um minuto sem você é tudo escuro. Horas viram segundos.

Acabou, acabou; agora é o fim. E ao terminar é só som, a música que viaja pelo ar. Tudo o que resta é seu eco. E, antes de mais nada, já sinto falta daquilo que não foi, e do que não será. Mas olhemos pra frente, porque há uma luz. Tá na hora. É só uma etapa, um patamar, ou apenas a integridade.

Ainda olhamos para cima. Mas está abaixo do céu.
.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Longplay

Meu pai veio de Piracicaba e claro que fui visitá-lo. Quando ele vem, ele não vai até Santos; fica na casa da minha irmã. Saí da casa espírita onde atuo, e no caminho, andando até o ponto de ônibus no centro de São Vicente, ouvi aquela gritaria do fim de tarde de sábado. O movimento era grande, as grades do comércio começavam a abaixar e os pontos de ônibus enchiam de gente com seus fones pra pegar as peruas tocando as rádios populares locais. Antes de chegar no ponto e ter a sorte de pegar imediatamente um ônibus que passa de vez em nunca, ouvi um homem gritando na calçada "Olha o Michael Jackson aí, Michael Jackson baratinho".

Aquele cara talentoso morreu, e é normal esse teor post mortem da fama. Condenado por pedofilia pelos fãs, absolvido pelos tribunais. E todas as estranhezas e culpas foram absolvidas com a morte. O paraíso está aqui, quase como diria a mitologia tupi; já o inferno, bem... o inferno são nosotros. O sucesso vira suceso; as virtudes ganham prefixos, se desfazem. Dançou, cantou, depois morreu afogado no próprio fogo de sua estrela.

Ultimamente, o brilho da música não vem de luz, mas sim de pólvora. Queima rápido e some. O estatuto da música foi mudando, e uma vez mudado foi admitindo novo caráter. Heitor Villa-Lobos, Chiquinha Gonzaga, Noel Rosa, Ari Barroso, Lupicínio Rodrigues e Herivelto Martins contribuíram nas canções de um Brasil que começava a circular os primeiros registros sonoros. Antes, os cilindros, e pouco depois o vinil. No começo, apenas discursos políticos, dando espaço para a música. Antes, exibições eram feitas; pessoas pagavam para ver a máquina que falava, como quem entra hoje num cinema. Aos poucos, reuniões passaram a ser feitas nas casas de pessoas que tinham aqueles aparelhos de ouvir música. O rádio expandiu horizontes; a ciência do invisível passou a fazer parte do cotidiano popular, voando no ar. Tudo isso foi se barateando e alcançando novos lares, saindo dos bairros nobres das cidades até onde hoje a cobertura do celular não atinge.

Os trilhos dos trens foram arrancados, o asfalto se agarrou ao chão, as casas cresceram e perderam os telhados. Os banheiros há tempos já tinham entrado nas casas, e as pessoas não mais nasciam nem morriam em casa. O velho virou termo depreciativo, foi afastado pois representava o ultrapassado, o obsoleto e o saturado e não mais o conhecimento acumulado e tradição não necessariamente fixa. Do feno até a terra. O asilo de inválidos perto do Orquidário de Santos ganhava cada vez mais hóspedes, e da cama foram à campa. Derrubaram, e instalaram uma escola no lugar. Já não se vê casas na orla. Tudo que é novo ganha seu espaço, e o argumento para legitimá-lo é unânime: "é novo, precisa ser outra coisa para ser bom?". Moreira da Silva deu lugar para Alexandre Pires, Penabranca e Xavantinho para Fernando e Sorocaba, Luiz Gonzaga para Falamansa. Até se tenta e se consegue conviver em paz. Mas a aversão pelo velho não é unânime, senão jamais haveria passeata contra a guitarra elétrica por uma elite beata e reaça.

A canção virou sinônimo de música, e a música clássica, apesar de tocar os corações de crianças desde Itaquera até a beira do Morro do Marapé, se escancarou de vez como coisa de rico e se escondeu no condomínio fechado. Hoje, a música eletrônica recupera os fatores da sinfonia, mas o modo de apreciação não é o mesmo, sendo mais um pretexto para dançar e outras finalidades, assim como na canção popular desde a Idade Média - mas essa é outra história. Toda arte foi "amadurecendo" conforme os avanços do novo, assim como as roupas, os hábitos, os sonhos. Se muito antes se estendeu a Renascença, no século XX a Ciência e o Dinheiro somaram seus adeptos. A música foi se comercializando; a ostentação e a precariedade se tornaram fontes de criatividade e também viraram fins de composição. A gaita e o berimbau foram levados de lá pra cá e as igrejas góticas já tinham seus órgãos fixos às paredes, enquanto as tribos tinham canções até para receber amigos de longe. A literatura teve o culto à quebra com a Semana de 22 e a música (canção) teve a Tropicália muito depois. Pouco antes, a bossa nova começava a responder os apelos de música jovem, da zona sul do Rio, e depois a abertura (boa ou má, enfim) às influências estadunidenses que a Jovem Guarda foi. Mesmo antes, as influências sempre existiram, assim como o cavaquinho, italiano, entrou no samba, paulistano - sem Brás, Bexiga ou Barra Funda não existiria esse instrumento em um ritmo tão povão. Antes mesmo, a cultura francesa em muito influenciava (ou influencia ainda, na academia) o Brasil de José de Alencar ou Gonçalves Dias. Machado de Assis era o único que se aliava a uma tradição inglesa, de Lawrence Sterne. Os românticos tinham lá seu Byron (o mesmo que pilhou raridades na Grécia para o Museu de Londres), mas não largavam os tique-tiques afrancesados - muito bons à sua época e com os valores reconhecidos hoje em dia - e a música contava com seu minué e as modinhas.

As influências externas não são exatamente más, principalmente quando falamos do Brasil. Hoje temos o rock que afirma isso. Se o problema for ideologia, Odair José um dia cantou "Pare de tomar a pílula" e hoje Capital Inicial canta "Natasha". Se for originalidade musical, Cauby Peixoto cantou "Rock and Roll in Copacabana" e hoje Paralamas do Sucesso canta "Sem Mais Adeus". Acho graça em buscarmos influências tão longe, numa língua tão estranha, desobedecendo e ignorando Simón Bolívar, Violeta Parra, Mercedes Sosa e até Hugo Chávez. Mas quem domava a técnica estava mais em cima. O taco e a bola estavam lá, e o buraco é mais embaixo.

É normal que hoje falemos em Foo Fighters, Oasis, Nirvana e Guns N' Roses. The Beatles tem mais adeptos que Jesus Cristo? Existem fãs ou fiéis? É normal que lembremos mais de Elvis Presley do que de Chico Buarque, mesmo aquele sendo morto. A bossa nova teve respeito lá fora, e Bob Marley elevou a Jamaica a algum patamar de respeito usando guitarra, num estilo que influencia Gilberto Gil. O glamour e lifestyle das estrelas surgiram, uma vez que a boemia artística já acompanhava trupes circenses desde séculos, ou agradavam salões de cortes reais. A conjuntura política brasileira permitiu até essas aberturas, e assim como Saulo de Tarso espalhou as sementes com sua perseguição contra os cristãos, o exílio foi um caminho engraçado de dar as caras, de dar as cartas. A era do rádio passou e passou a ser escrita em minúsculo; os festivais da Record, que reunia todos na frente da TV, também; eis que surge o videoclipe.

Eis a música pop. O CD toma a capa da revista Superinteressante de maio de 1990 com os dizeres "Disco a Laser: como se consegue um som tão puro". A pirataria sai dos livros de História e toma calçadas de outro jeito, popularizando "Bohemian Rhapsody", "La Bamba", "Que Nem Giló", "Vai Vadiar", "É o Tchan no Havaí", "Banho de Espuma". E dava pra rebobinar a fita K7 com caneta Bic. Com a internet, surge o mp3. Gramofone e vitrola se foram. A "seleção cultural" digivolve walkman em discman, e este em iPod. Hoje ouço tudo no celular (que deveria só dar telefonemas), mas recomecei a frequentar sebos de discos, nem que seja para comprar só por decoração.

E a mesma pessoa que não perdeu o show da Ivete Sangalo nesse domingo, com confusão com polícia e tudo, não esqueceu de comprar o DVD pirata do Michael Jackson. Vai ouvir "Billie Jean" em casa e levar o filho pra creche. Michael Jackson tem sido assunto, black or white ouve suas músicas. E metamorfoseou seu estilo e sua pele, e se amalgamou até com o Olodum. Vai ter Sepultura na mesma casa de show que recebeu Inimigos da HP, aquela onde assisti Skank com minha ex-namorada. Viajei nesse final de semana com Legião, Paralamas, Coldplay e Metallica no som do carro, sem deixar de brincar com os amigos cantando Fábio Jr. no violão com Harry Potter na TV. Depois de conhecer algumas pessoas nesses quase dez anos, fui fuçando a internet e baixando mp3 de tudo que é tipo de música, principalmente o rock que não tem sido o meu foco de procura ultimamente. Não existe outro estilo musical que tenha se espalhado tanto e se moldado de um jeito diferente em cada parte do mundo em que parou. Amo o samba, de verdade, até suas raízes fora do Brasil (conforme li no André Midani), as mesmas que fizeram ele ser um irmão do jazz e do blues - o que faz da bossa nova um incesto. Mas ele não teve a chance de se expandir tanto quanto o rock, infelizmente. Seria bom pelo seu caráter popular. Mas o rock, por ter vencido uma barreira racial entre brancos e negros e pela facilidade de reprodução com três pessoas, atingiu patamares nunca antes alcançados. Possibilitou o mangue beat, o flamenco rock, o j-rock, o reggae e o heavy metal.

Seria melhor se fosse normalmente acústico, pois popularizaria mais ainda sem energia elétrica. Mas para ser ouvido longe, precisa-se de amplificadores.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Anestesia / Eutanásia

A lista não levada a sério (escrita com lapiseira imaginária):

01-
02-
03-
04-
05-
06-
07-
08-
(...)

segunda-feira, 15 de junho de 2009

"Gás de pimenta para temperar a ordem"

O sujeito que lê ou ouve um esquerdista, leu e ouviu todos os esquerdistas
Nelson Rodrigues


A graça é que, enquanto isso, o pau tá comendo perto de onde eu moro. Pode uma coisa dessas? Desço do ônibus do lado da Engenharia, passo em frente ao prédio de Administração e Economia, todos com aula normal. E bem antes da Praça do Relógio já dava pra ver os helicópteros rodando em cima da reitoria da USP. Urubu espreitando carniça. Se alguém de Humanas queria entregar trabalho, mesmo com a faculdade em greve, desistiu ou cheirava malagueta.

Entre conviver ou matar o adversário, ficaram com a segunda opção. É o fim do diálogo, da política. Uma falta de tato dessas precisa de luva de pelica. Nunca vi tanta polícia na vida! E assaltantes aproveitam pra entrar em ação ali perto, do lado de fora da Cidade Universitária. O Datena deve ter xingado a nona geração dos grevistas. Discordo dos homens, mas agora eles ganharam a razão que precisavam. O Boris Casoy disse que a gente quer a universidade só para nós - em tom a favor do ensino à distância.

Chegou num ponto que eu, como estudante, não posso confirmar os podres dentro dos muros, senão todos vão concordar que dentro da USP só tem vagabundo. Tudo tem que ser dito com muita delicadeza, senão ninguém entende nada sobre o discurso esvaziado da greve, as posturas sindicalistas, a mercadoria que o ensino tá virando na mão do governo do Estado e o respaldo da reitora. E delicadeza é coisa que bala de borracha não tem.

Maçã faz bem pra voz

Ressignificar relações foi visitar posturas com um olhar inaugural. É uma saída rumo à tudo aquilo que não faz parte de si, como uma luz branca em plena escuridão. Enquanto estiver lá no preto, tudo o que se acreditava é posto à prova, até alcançar de novo a luz. Quando se volta ao ponto de partida, não se é mais a mesma luz; ela não só brilha, ela ofusca, ela se basta, por ter consciência da extensão de seu feixe, foco, contraste. Quem vive sempre na luz nunca vai entender isso - é falta da força da experiência.

Eu era assim há pouco tempo. Então, se você que lê esse texto não passou por algo parecido com o que passei (leia a postagem anterior), então pode parar por aqui - afinal, você não vai entender mesmo, e nenhum argumento vale quando lançado a um ignorante. Pérolas aos porcos. O aprendizado de algumas coisas é automático. Mijar, por exemplo. Já outras coisas se precisa passar por elas, por cima delas. Dançar só se aprende dançando.

Tive a chance de repensar e cheguei a novas conclusões. Conclusões não, perdão; não sou mais tão pretensioso a ponto de acreditar em pensamento concluído e absoluto. Como disse o Renato, "mas não sou mais tão criança a ponto de saber tudo". Retificando, cheguei a novos paradigmas, estes sempre sujeitos a mudanças. Eu mordi a maçã que despertou minha consciência e me arrancou do paraíso em que acreditava viver.

E o gosto é bom.

Não desacreditei no mundo. Na verdade, fui desenganado. Vivi o tempo todo preso a crenças minhas, no repúdio do esfrega-esfrega com luz piscando e bate-estaca na caixa. Hoje ganhei tolerância. Mas o ódio por balada, por tudo que isso remete e por todos que nisso se metem ainda continua, não mudou em nada. Descobri que não sou antiquado, porque antigamente isso era comum, só que com outra roupagem. O termo mais adequado é deslocado. Promiscuidade sempre existiu; fidelidade também - seja ao som de um twist, axé, moda de viola, polca, metal, salsa, rockabilly, pagode, vallenato, cumbia ou valsa. Não importa. Agora eu acredito no mundo tal como ele é, mas não adiro a ele.

Descobri que estou pensando igual ao meu pai. Nenhum romantismo é saudável porque pressupõe ilusão. Uma muito comum é a de que qualquer relacionamento se sustenta só no amor. Não, precisa de outras garantias. Tem a renda, tem o diploma, o emprego, o saco pra aturar todo dia, dar o braço a torcer mesmo estando certo (ou a sociedade do meio-a-meio, como diria o Leo), a paciência, responsabilidade etc. Isso eu já tinha quebrado.

Só que dessa vez eu pensei que é melhor setorizar as relações. Categorias como "prazer espontâneo" e "sonhos de ter filhos com a pessoa amada" não precisam viver juntas. Funciona assim: agora pode ficar, desde que seja bem resolvido pra isso. Não se deve usar ninguém, óbvio que não. A vida é de cada um, a Lei é uma, mas cada um arca com as consequências de seus próprios atos. Não importa se é amoral, imoral, mortal, pois cada um carrega em si sua ética, ou a ética do grupo ao qual pertence. É fácil ser levado pela maré, porque a gente descansa os braços de tanto remar. Não é o meu caso... não parei de remar, mas aproveitei para hastear a vela do barco. Facilita o navegar e economiza minhas forças.

Se ficou difícil, me procure pra conversar.

domingo, 7 de junho de 2009

Em outras palavras...

... a Dai terminou comigo. Isso provocou poucas mudanças, mas todas muito profundas. Algumas conclusões ajudam, outras assustam os outros. Todas foram provadas empiricamente. No começo, se distrair dispersa a atenção para os problemas; depois vira hábito. Sem praticar o sentimento de amor, aos poucos ele se torna latente, e com o tempo, quem sabe, inexistente. Em novas palavras, não estou melhor nem pior: estou muito bem.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Empty broken clusters

É impressionante como os fatos presentes subvertem de algum modo os fatos passados. Os eventos são equalizados, piorando ou melhorando, e determinadas memórias ganham mais importância que outras. Algumas impressões positivas sobre a rotina perdem força pela falta de vontade.

Sou uma máquina que não deixa de funcionar se acaso uma peça quebra. As outras tarefas vão sendo realizadas conforme o grau de prioridade e o meu temperamento. O problema é quando algo é reprogramado de súbito. O tempo que minha memória demora a restabilizar o sistema é crítico, e sobrecarrega as conexões até as peças psicomotoras. Com efeito, o senso de dever permanece, sob um custo caro de não garantia de bom funcionamento e sob constantes oscilações de energia. Opera-se, enfim, com o máximo de potência.

Os acidentes de percurso ajudaram a ver, interpretar e escrever assim. A reprogramação recorre a mecanismos rápidos de defesa, e um bem eficiente é o sensorial. O modo de percepção da realidade sofre mudanças para preservação da máquina, tudo automático. Então, mesmo os eventos bons têm algum pixel alterado, feito mancha na tela.

Daí a necessidade dessa justificativa da escrita caída, e não dos meus atos. Tudo se pratica como sincronia de emoções.

Tsc

Um dia antes de sair o resultado, mudei de vez com as minhas coisas para o quarto do meio. Passei parte da manhã polindo os móveis, a tarde inteira limpando a casa e lavando o banheiro. Não suporto hiatos, intervalos de espera; estava ansioso para por em prática o quarto que imaginava. Gosto de aproveitar a ansiedade das situações. Fui me distraindo, pensando e ouvindo um pouco de Cartola e de Chico. Não podia aproveitar a folga da Dai junto dela, pois ela tinha aula de direção na hora do almoço e uma prova de francês no dia seguinte. Antes de terminar tudo, o Mau chegou com o Le e, depois de conversar com a assistente social, ele me avisou que ficarei com o quarto até o verdadeiro morador chegar de viagem. É óbvio que fiquei desanimado, mas eu já tinha aceitado o fato de que, se eu quisesse cortar gastos e talvez economizar, eu deveria aceitar também um colchão na sala e minhas roupas numa caixa. Isso não seria problema se eu não fosse organizado. Enfim, na quinta-feira o resultado saiu e eu não consegui vaga alguma, nem bolsa auxílio, mas sim a bolsa alimentação. Eu estaria mais contente ainda se não estivéssemos em greve, aí não gastaria com comida.

Com duas semanas de paralisações de funcionários na segunda-feira, justamente o dia que mais tenho aulas, eu suspendi seminários e preparações de trabalhos. A semana ficou vazia, e o período que usaria para me adaptar não foi tão necessário.

Poderia me dedicar aos amigos mais próximos, o que não favorecia economia nenhuma. Fui a tudo que pagava meia ou entrada gratuita. Passei por exposições, uma delas do Vik Muniz, com a Amanda. Fui atrás sebos de vinil com a Nalui; baixei discografias do Zeca, Cordel, Lenine e Djavan; assisti Contra a Parede, Che, Simonal e alguns outros filmes em casa; li contos rápidos do Veríssimo, textos de Osvaldo Orico sobre mitos ameríndios e alguma coisa de “Dialética da Colonização” do Alfredo Bosi. Fui atrás de ficção.

E este aqui seria um parágrafo a cores. Fica em ntsc.

Se antes não tivesse motivos pra ficção, hoje eu tenho, para interromper a subida dos degraus de miopia e a falta de apetite por destruição. É o mecanismo rápido de defesa. Uns pensam como covardia, outros chamam de imaturidade. Se não bastasse isso, tenho ainda o procedimento padrão nesse tipo de evento: os clichês de adesão ao cinza, de auto-identificação com as banalidades pop. Em si, tudo é contenção ao sabor do tempo, somado ao flamular do tempero amargo e somatizado ao possível crepitar de cartas e fotos. Subtraição alheiatória e pensageira.

Vou parar com essa porra de subjuntivo e começar a aliar o preciosismo ao palavrão.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Duzentos reais

Certa vez, conversando, eu soube que podemos ser felizes com duzentos reais.

Eu lembro de “como não fui ministro de Estado”. Meu medo é não ser feliz com as apostas que fiz, com os meus investimentos. Nenhuma taxa é por acaso; o bom sucesso depende das circunstâncias, e não só do esforço. Depende da paciência. E deposito muito, demais da conta. A corrente prende bem, até que eu consiga desvendar a senha, aprender o pulo do gato sem que ninguém me ensine ou me leve pela mão.

Às vezes não parece, mas sou uma criança que ora fala bonito e tem boa caligrafia, ora tem medo de encarar um estranho na rua e fingir coragem.

Parte de mim diz que devo seguir, mas necessito de empurrões. Já disse isso aqui noutro dia e torno a repetir. Falta-me ímpeto, e meus amigos dão os petelecos que me levam pra frente. Não parte de mim.

Falta configurar para que os débitos não sejam automáticos.
Eu sinto que, para isso, eu preciso me soltar de alguns valores que todo mundo segue. E eu ia ter que pagar o preço por estar no meio do nada.

Uma casa no interior, longe da bagunça, longe dessa nuvem escura que inviabiliza qualquer sinal de fumaça, foco de incêndio ou churrasco. Bem afastado da área de cobertura.

E preciso beber água pra diminuir a acidez. Minhas meias ficam molhadas com a chuva porque todos os meus sapatos estão furados. Eventualmente, entra pedra. Só aquelas que eu não chuto.

Santiago

Antes de mais nada, eu digo: tenho vinte e quatro anos. De acordo com os meus planos, eu demoraria no máximo cinco anos para terminar a faculdade, sendo que no terceiro ano começaria a fazer minha pesquisa de iniciação científica sobre literatura de mercado, e no meio do quarto eu estaria trabalhando com algo fora da academia. Poderia ser algo burocrático, sem problemas; até porque, já me conhecendo, eu conseguiria chegar em casa depois de um dia de trabalho intelectual pesado e ler um livro que eu goste. Um ganha-pão repetitivo me ajudaria a continuar com o meu dia-a-dia musical e literário sem saturação.

E, assim que me sentisse seguro neste emprego, com um tempo de casa e umas boas economias, eu estaria seguro também para casar. Não tenho preocupações acerca da união religiosa. O matrimônio civil me basta, por aquilo que acredito. Claro que gosto de celebrações, e a contrário do que penso de aniversários, o casamento merece uma boa festa para reunir família e amigos dos dois.

Dois! Penso em dois filhos. Primeiro uma menina, talvez. Um menino não muito depois. Vou dar a eles todo o amor, cuidado e educação que me foi dado!

A sujeira da fralda, a mensalidade de algum curso, os problemas das prestações, o tempo no final de semana, a louça na pia, os passeios, o cansaço do fim do dia; anseio por tudo isso.
Sério.

Eu quero dividir a cama com a pessoa que amo. Manter os planos firmes, tendo em mente que eles são parâmetros, e não objetivos que se devem ser seguidos à risca. Quero o vidro do meu perfume rivalizando o espaço da prateleira com cremes que nunca usarei. E tirar os cabelos do ralo.
E o beijo de língua não pode sair da rotina.

Deus me livre de perder esses planos.

terça-feira, 28 de abril de 2009

O impasse e as tralhas

A professora de Música no Brasil Colônia ia colocar o áudio da "Missa abreviada em ré", de Manoel Dias de Oliveira (c1735-1813). O Windows Media Player imediatamente começou a tocar Give It Away, do Red Hot Chili Peppers! Hahahahaha!!!!

Sim, adoro história, amo música. Ultimamente é o que mais tenho tido prazer de estudar. Eu ia escapar disso, mas um dos meus trabalhos vou contrastar texto bíblico em Chico Buarque e Legião Urbana. Deixo de lado as proposições do Tractatus do Wittgenstein, a lógica do Frege, até os ensaios literários do Auerbach pra ficar lendo coisas "pra vida", não pra prova alguma. Ultimamente nem isso; preciso me dar uns puxões de orelha.

Po, não resisto. Concordo com o Rafael Cortez, não se fica sozinho quando se tem um violão. Pode estar banguela, faltando corda - não é o caso do meu. Pode estar desafinado - não tem problema, eu também sou quando canto. A Dai tem motivos óbvios pra sentir ciúmes quando eu começo a tocar - eu esqueço o mundo! É uma máquina que dilata o tempo! Antes eram os acordes básicos, depois essas pancadas na madeira, agora essa mania de pinça e dedilhado, e batidas de bolero tocado rápido como se fosse o mais puro flamenco. Deixa eu me iludir! Eu comecei a estudar violão clássico há pouco tempo, mas tive que parar por causa de horários. Continuo, mas não como eu queria.

Vivo o impasse. De um lado, o dever (e atual motivo de eu morar em São Paulo e não em Santos) de estudar com os melhores professores do país na minha área, entender bem do que estudo, mas não me interessar por estar saturado. Creio que cheguei no ponto de quem já está com o canudo: ama, respira o que faz, não quer mas precisa ter aulas daquilo cinco vezes por semana - e quer começar a criar renda, colher os frutos do estudo. De outro lado, quero começar a estudar música, porque depois de seis anos cantando rock, de três anos conhecendo música brasileira, percebi que o violão não é só um móvel no meu quarto, e que minha voz deve e pode ser aprimorada. Ironia ou não, estou começando a ganhar dinheiro com isso, e olha que eu ainda não dei início a qualquer estudo sério de violão, voz, percussão ou gaita (meus instrumentos prediletos são os acústicos), por falta de dinheiro (não trabalho pois recebo uma bolsa de pesquisa), por falta de tempo (tenho aula, lembra? até no domingo) e de espaço (capital ou litoral; escolha). Vivo o impasse.

E foram essas faltas que me motivaram a cortar gastos. Estou mudando para o Crusp, e vou ser vizinho da Dai! Tem muitas vantagens, claro, além de estar mais perto do metrô, ou pelo menos da Ponte Orca, além do gasto zero com condomínio e aluguel, poupo tempo. Duas viagens de mala e cuia, quarenta minutos de ônibus no que normalmente faço em vinte minutos a pé. Pode? Pesado que dói. Não tenho muitos livros, e estou longe de ter uma prateleira legal deles. As roupas, as caixas de som e o micro-ondas dado pela minha prima Tamara quando ela terminou a faculdade vou tentar levar hoje, aproveitar a carona do Ro. Pois é, sair da minha república... Dividir o mesmo quarto com o Ro e com o Daniel não era a coisa mais organizada do mundo, mas era divertido. Vou sentir saudades de tocar as músicas velhas da Dellusion no violão com eles cantando, vez ou outra. Vai fazer falta aquelas palhaçadas com o Ro, quando ele chega do trabalho. Os papos sobre RPG com o Daniel vão fazer falta, mas as politicagens não. Foi acolhedor chegar em São Paulo em 2006 e já ter um cantinho pra jogar minhas tralhas e estudar o dia todo. Lembro que, na época, não conseguia estudar em casa, e me matava na biblioteca toda manhã e toda tarde. O ritmo diminuiu do nada, e hoje é mais raro - prefiro ler descalço e apoiado do meu jeito onde estiver, o que podia fazer só em casa. Uma coisa que me preocupava era o número de assaltos no caminho até a república. Era sempre; nunca aconteceu nada comigo. Vigilância, pois é, é sintonia - o resto é pura sorte, se é que isso existe. Sem divagações: muitas vezes hesitei em continuar morando com eles, pois gosto de ter o meu lugar do meu jeito. O que me segurou foi a tolerância com a bagunça e sujeira, quando eu mesmo não aderia à elas. Isso mudou minha organização até em Santos.

Por falar em Santos... ah, depois.

Vou pegar uns livros pra Dai e vou jantar. Pra variar, já deu fome.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Bênção

Muitas vezes vejo minhas faltas ora ingênuas, ora dolosas. Quando estou carregado de culpa, o arrependimento e o remorso me tiram a chance de retornar aos mesmos erros, que na pior das possibilidades, estando eu desacordado de meus atos, incorporaria esses atos errados ao meu comum proceder.

Mais do que crer, eu vivo a verdade de que o tropeço fomenta o levantar. Todo conhecimento, moral e poder estão ao alcance de todos, inclusive ao meu; contudo, só o fazemos por intermédio das pedras, gostemos ou não. Como não sou uma exceção, não escapo desses trilhos.

Diuersa bonum uirum probant... As adversidades provam o bom homem.

Sei que males são necessários, ou melhor, apropriados ao nosso momento. Eles existem sim, e continuarão a existir se não vencermos velhos hábitos e defeitos para ascender íntima e coletivamente. Por isso o mundo não me desengana, e assim entendo os muitos que se julgam negativistas em relação à esperança com a Humanidade. Se todas as provações estão provadas por a mais b, evidenciadas, não devo cruzar os braços e as pernas.

Sou partidário das revoluções em silêncio. Não gosto de panfleto, megafone, vermelhismo, azulismo, arco-íris, motherussia, motherfucker, camarada, gravata, burguesinha. Resumindo, não gosto de hipocrisia.

Prefiro amendoim bem salgado, chocolate, queijo de qualquer tipo, pimenta caseira e café amargo!

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Uma pausa pro café


Vou fingir que você está sentado no banco na frente da biblioteca, e eu desci pra dar uma pausa. Pois bem, finja que eu falo muito, pelos cotovelos.
Aliás, de onde veio a expressão "falar pelos cotovelos"? Será que é por isso que a boca não alcança esse lugar? Tá bom, eu sei que eu deveria estar lendo um livro, mas cansei. Santa semana santa, pois não tem aula. Amo o que faço; já somam três anos (agora o quarto) que eu dou atenção às coisas que não terão relevância alguma lá na frente (línguas estranhas, livros que não caem em vestibular, hablablablá e nhenhenhe'eng). Poderia me contentar com romantismo e gramática - coisas que, aliás, não me animam muito e são a causa de algumas baixas no currículo - porém quero ir mais além, e sem muito esforço. Demoro pra ler. Sou um medalhão que precisa ser polido, até porque o brilho tá fosco. Três letras mágicas podem abrir portas, e isso tem lá suas vantagens. Já apanhei bastante do meu próprio orgulho quando exibi isso no peito, estampado na camiseta. Nunca foi algo crônico. Confesso que precisei disso pra acordar pro mundo; tenho lá meus méritos pra eleger isso como um rito de passagem, como dizem na antropologia. Poderia ser treinamento militar em Esparta, enfrentar hipotermia na Sibéria, vender cd pirata na ladeira Porto Geral, ir brincar no Aeroporto, colocar a mão num formigueiro no meio da tribo, ou ser marcado com brasa em África, como o Seal - mas só foi tinta e tesoura, e nem farinha teve! Antes, foram dois anos apagados, e a massagem cardíaca veio de dentro pra dentro - não foi nenhuma influência externa, e disso tenho real orgulho, já que conto sempre com a ajuda dos amigos, o que é ótimo mas me causa dependência. Mimado. Isso eu documentei desde março de 2003 até julho de 2005 num blog, que apaguei depois de salvar num arquivo - arquivo que perdi quando o disco rígido da minha república pifou, com todos os meus trabalhos até então. To acostumado a perder todos os dados... até parece a última pergunta do Show do Milhão. Mas nunca levaram minha carteira nem celular. Este último já tentaram, mas deu errado porque eu fui burro e reagi. Estou vivo pra contar a história, e não sei dizer o mesmo deles - bandido velho não existe. Bicicletas? Várias... É questão de orai e vigiai. Mas o "vigiar" fica pra próxima (quem sabe), e o "orar" bem mais pra depois. Pois é... "há malas que vão para Belém". Isso eu aprendi com um amigo. É verdade, há tempos um mal sozinho me motivou a melhorar em vários sentidos. Não vou recordar essas babaquices. Eu guardo muita coisa, mas depois eu jogo fora quando me dá a louca. Minha mãe gosta disso, é um hábito que ela também tem, tirando a parte de guardar papelada inútil. Do jeito que eu falo aqui, até parece que sou engraçadinho ou estou pouco me lixando. Não sou, sou seríinho, mas sei dar risada, olha só! Foi o ar de São Paulo que fez isso com a minha cara, e deixou as minhas pernas mais rápidas e os ombros mais duros, pra enfim poder costurar a negada toda na calçada. Todo paulistano tem vocação pra jogador de rugby. E esse santista que vos dirige a palavra não anda de skate e nem surfa (nem pretende), e nem torce pro Santos (se quer vê futebol), mas sabe parar pra admirar música e livro, entendendo disso ou não.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Memória REM (the siesta della vie)

Bem, ela foi pro trabalho. Vou ouvir melhor as músicas do repertório, afinal amanhã tem ensaio, e cedo. Tem que aproveitar essa semana pra fazer essas coisas. Quanto mais tempo se tem, mais se consome ele, tadinho. É que nem buraco, que nem dinheiro - esses três tem lá suas semelhanças. Parece piada velha de "o que é, o que é".

Coisa velha assim me lembra velotrol e merenda. Hoje é Expresso Brasileiro e bandejão.

Era pra eu estar com sono, mas cochilei bem antes do almoço. Nossa, tava ótimo: tomate, isca de frango, não posso reclamar. Talvez ainda dê pra pegar um cinema hoje. Esperava alguns e-mails, mas não deu em nada, então vou voltar. Pelo menos deu pra ter notícia do pai pela minha irmã, e trocar algumas palavras (escritas) com amigos de longo prazo e os de curta data. Escrevi uma postagem, mas fazia mais sentido deixá-la pra depois.

Gostei das fotos do final de semana, e os chocolates que a Dai me deu estão ótimos! Ela não deu em boa hora, mas o presente vai ser devidamente bem-agradecido!

Vou deixar algumas outras coisas pra depois. Não deveria, sou velho pra levar puxões de orelha da mãe, mas não adianta nada eu fazer essas coisas hoje. Mais tarde.