segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Comigo não morreu

"Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba."
João Acácio Pereira da Costa, o Bandido da Luz Vermelha

Fato

Durante a partida desta semana entre San José e Corinthians pela Copa Bridgestone Libertadores, um garoto de 14 anos no estádio em Oruro, Bolívia, foi atingido por um sinalizador e morreu em seguida.

Essa morte levanta muitas questões sobre segurança e me recorda um fato recente que colocou o Brasil de luto.

Na segunda quinzena de janeiro, todos tivemos a oportunidade de assistir o comportamento da mídia ante tragédias e a necessidade da notícia.

Em tempo: não diminuo o peso da tragédia e nem a dor das famílias. Uso o espaço para colocar em jogo o desespero em achar um culpado, os interesses midiáticos e o poder da aparência, inclusive em respeito à profissão do jornalista. Questiono a posição da mídia como reguladora dos ânimos do público, assim como também questiono se o Brasil merece estar de luto.

Na noite do dia 27/01, dia do incêndio na boate Kiss em Santa Maria (RS), a equipe do Jornal Nacional fez uma ampla cobertura do ocorrido. O mesmo VT foi exibido no dia seguinte, idêntico, diferente do vídeo da véspera apenas pelo enxerto de uma sonora.

Formato

A banca de jornal estava no meu caminho quando vi essas três revistas. Longe de me posicionar quanto à qualidade de cada uma delas, as revistas quebraram o decoro jornalístico e deram um tom apelativo sui generis, tal qual a situação que motivou aquelas matérias.

Revista Veja (Edição Especial)

NUNCA MAIS

Que em memória dos 235 jovens mortos de Santa Maria façamos um Brasil novo, onde ninguém mais seja vítima do descaso, da negligência, da corrupção de valores e da impunidade

Imagem: fundo com destaque centralizado de mulher de chapéu abaixada sobre um caixão

Revista Época (Edição Especial)

TÃO JOVENS

TÃO RÁPIDO

TÃO ABSURDO

Imagem: fundo de fotos 3x4 em P&B das vítimas

Revista Isto É (Reportagem Especial)

TOLERÂNCIA ZERO

O Brasil não pode mais aceitar o estado de insegurança que provoca as grandes tragédias nem o desprezo às leis e à vida.

Imagem: fundo preto com uma foto pequena centralizada de um dos velórios de vítimas.

Imediatamente, como abutres, autoridades políticas se uniram ao evento da tragédia. De qualquer forma, um líder político precisa se pronunciar diante de sinistros dessa magnitude. Contudo, a presidente Dilma Rousseff, por mais sincero que tenha sido seu gesto, chorou na frente das câmeras. Provavelmente, àquela altura as lágrimas poderiam render frutos políticos, mostrando a sensibilidade da futura candidata, no ponto de vista governista; por outro lado, na visão oposicionista, as mesmas lágrimas poderiam mostrar o fracasso particular, devido à mão do Estado (na forma de fiscalização ou controle) não ter evitado o ocorrido.

Mesmo diante dessas condições e de muitas outras posturas daqueles que apareceram naquele momento difícil, as capas daquelas três revistas não escolheram um lado. Pelo menos, não ousaram. O impacto da dor que queriam transmitir, num lampejo de bom senso, não escolhiam um culpado imediato, mas sim um tiro no escuro, genérico e impassível de resposta.

Ao invés de detalhar a sintaxe dos títulos dessas matérias e contrapô-las, aproveito para destacar suas semelhanças.

As capas conseguiram reproduzir fielmente o "paradigma social" da dor, no qual se reconhece no outro alguém semelhante a você; em outras palavras, as revistas se valeram da alteridade. É o mesmo que move algumas pessoas para verem o resultado de um acidente de trânsito. Note que isso não pressupõe compaixão pelo próximo; muitas vezes tal atitude se traduz apenas na curiosidade egoísta que, maliciosamente ou não, parte da ideia de contemplar naquele corpo estirado uma possibilidade de ter sido com você, e o que era alheio se torna algo que lhe é particular.

A maior semelhança entre as capas das revistas é o foco que, com o devido apelo, instiga o leitor a essa curiosidade, também motivada pela pressão social de estar inteirado sobre o assunto. Esse é o principal gatilho de quem vê ou lê jornais.

Fardo

No posto de "porta-voz" da coletividade, a mídia tem o dever institucionalizado de apontar a direção dos ânimos da massa. A indignação, unânime ou não, é distribuída igualmente, para que todos possam compartilhar um mesmo tema. Este papel de uniformização é a função do formador de opinião.

Em ocasiões como esta, é recorrente a mídia eleger imparcialmente os suspeitos a partir das investigações policiais. Ao fazer isso, a opinião pública é orquestrada e normalmente pede a cabeça do culpado na ágora para saciar um desejo efêmero de justiça.

Mas quem é o culpado? Admita: foi fácil nos casos Nardoni, Lindenberg, Von Richthofen, goleiro Bruno, Mizael Bispo etc. Além de render espetáculos para muitas semanas, cada réu era uma figura pontual, um indivíduo específico, com um só rosto, registro de identidade, CPF. E quando o culpado é tão variado como os afetados pela tragédia, amorfo como a negligência, o jeitinho, o descaso? E quando a culpa é de um grupo indistinto que passa rente ao flagrante, consentindo, conivente ao ignorar a causa de determinados males que lhe afligem? E quando o culpado é tão coletivo quanto a opinião pública pregada nesse evangelho de más notícias?

Aí vemos o papelzinho das revistas. Os casos de Santa Maria e Oruro são derrotas já anunciadas. Qualquer julgamento no tribunal só servirá para apaziguar a sede de justiça, pois os mortos não vão desmorrer. Nada será desfeito. Futuras tragédias não serão evitadas. A punição será solução paliativa; se severa, apaziguará mais, mas não anulará a dor em nada.

O empate é o melhor que o martelo e o apito do juiz podem conseguir.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Entrevista em púlpito

Um vídeo roubou a cena e fez do même "Santa Maria" a tragédia mais intensa e mais fugaz das redes sociais. Um programa de entrevistas do SBT fisgou a atenção de muitos e ocupou muito espaço na internet. O tal vídeo conquistou outros vídeos de resposta e piadas de todo tipo.

Marília Gabriela é uma entrevistadora experiente. Trabalha ao mesmo tempo em três canais de televisão e sempre vendeu uma imagem de entrevistadora polêmica - alguém do tipo que encurrala o entrevistado para que ele se mostre em suas respostas, como um interrogatório. Como todo programa de entrevista, acredito que antes de cada filmagem haja um piloto para formular ou praticar perguntas previamente traçadas, o que de maneira alguma invalida a espontaneidade da situação da entrevista.

Esse formato rendeu algumas grandes conversas e supostamente não seria diferente na semana passada, quando foi ao ar a entrevista com o pastor pentecostal Silas Malafaia. Pois bem, não foi uma grande conversa. Notavelmente algumas pessoas se dão melhor com púlpitos do que com bancadas. Vi discussões de bar mais organizadas do que aquele programa.

Tenho algumas considerações sobre a postura de Marília Gabriela, com a sua posição profissional daquele dia, bem como sobre a posição religiosa do pastor. Vamos a elas.

A entrevistadora tocou em frente um debate. Aparentemente desarmada no início, o programa ganhou corpo e polpa antes do primeiro intervalo com a primeira questão polêmica que foi levantada, sobre a dinheirama do pastor. A parede discursiva que impede atitudes arbitrárias foi irrompida. O formato de pregação, já tão sólido na fala comum do pastor, fez com que qualquer declaração fosse um grito agudo, como é de seu costume. O tom de voz e as posições polêmicas do pastor fizeram o jogo perder o rumo, mesmo com intervalos comerciais. Mas o que de fato tirou tudo dos trilhos foi a falta, por parte da entrevistadora, de qualquer conhecimento no campo do entrevistado, argumentos bíblicos, beirando apenas naquilo que é comum a um católico não-praticante. Não é profissional a entrevistadora assumir o papel de destinador ou dar lição de moral. Duas pessoas se sentaram para que apenas uma fosse exposta; as duas se expuseram e da pior forma possível, pois o discurso deitou fora seus traços expositivos para assumir os argumentativos.

Quanto ao pastor, um pequeno flashback. Caí na real do papel da atividade religiosa e dinheiro quando fui atualizar meu currículo há uns quatro anos. Dentre as coisas que são de César, estão as peneiras nas salas de Recursos Humanos. É possível dedicar grande parte do dia, semana ou mês em uma atividade religiosa que desenvolva sua criatividade, dê canseira, prazer, resultados até mais sólidos do que carregando documentos, enrolando brigadeiros, teclando no escritório ou fazendo faxina fora. Essa atividade religiosa não tem a mesma relação de trabalho que um emprego comum, como um consultório ou escritório, já que, no caso cristão, a postura assumida é de doação, e a atividade, secularmente, é uma prestação de serviço e não pode ser incluída em currículo como experiência de grupo, recomendações, oratória ou jogo de cintura. Apesar disso, minha posição é que sim, alguma renda é necessária quando você dedica metade ou mais do seu tempo em seu local de fé ou "perímetro" de atuação - e quando digo "tempo", falo de 24/7, não das horinhas que sobraram que fazem você dar um pulo na igreja. Contudo, em consonância com a sua ideologia de prosperidade, o patrimônio que o pastor levantou superou em muito qualquer limite mensurável de abnegação. Isso já o colocaria em cheque.

Quanto a todo o resto, que é justamente o que mais promoveu o status quo laicista das redes sociais, recomendo que "cristãos não-praticantes" de plantão leiam a Bíblia. Informem-se e, de preferência, sem revisionismos. Toda a postura de Silas Malafaia em relação a união homoafetiva não é novidade; o que há de novo é a interpretação feita com o livro, que cada vez mais é visto como um compêndio de leis atrasadas que, como disse Marília Gabriela, são leis "de dois mil anos que nunca foram revistas". Não suporto essa pretensão humana em querer revisar Deus. É uma vontade infinda de atualizar, de fazer do óbvio obsoleto e criar algo novo que abrace a todos.

A engenharia linguística comeu solta: evito "homossexualidade" e prefiro "homossexualismo" não por motivos médicos, dos quais duvido muito, mas sim pelo gay ser uma bandeira, como o feminismo. O bom-mocismo impede que sejam colocadas as palavras "bandido" e "gay" na mesma sentença, pois implicitamente (só se for com Freud, pois o Chomsky foi embora e mandou lembranças) você dá a entender que há uma comparação entre os dois, ou que estão colocados em pé de igualdade. A quem não entendeu isso, sugiro ler uma gramática, sessão "Sintaxe"; tenha carinho especial pelo capítulo das orações coordenadas.

Tomada essa proporção nas redes sociais, sentei e play. Até o último pelo do corpo eu me arrependi.