segunda-feira, 19 de abril de 2010

Altamira


Um fato numa data simbólica. O espelho que os tupi-sei-lá ganham hoje é a energia elétrica. Em troca, não podem pescar. Já que o condomínio alagou em janeiro, não há motivo para não fazer o mesmo na aldeia.

Mato. É tão distante. Basta subir num bicho desses, problemas nas turbinas e, bum, sobrevivemos alheios ao "mundo". De repente, faz-se uma viagem no tempo, quando as costas eram curvas não pela tv e sofá. Sola da mão, palma do pé. Comer uns aos outros, grunhir abaetés, piatãs e iuruitás.

É o que se pensa desses aí. É sofrido, mas ninguém lembra. O Brasil se alinha à Argentina e aos EUA nesse orgulho subjetivo do extermínio, que no nosso caso foi cordial, lento, gradual e seguro. Igual a uma tortura, arrancando unha por unha até não haver mais mão. Com isso, não há mais tendinite kamayurá ou calos baniwa.

Fico contente em batizar cidades com suas palavras, assim como estradas com nomes dos outrora "amigos" paulistas com suas bandeiras. Irônico. É divertido dar a seta e mudar de faixa nas supostas vias onde os assassinos abriram picadas. Tudo em nome do avanço, do moderno necessário. Mas não é bem disso que é feita minha defesa na banca.

Amo o progresso. Novas estações de metrô, mais tempo, esteiras rolantes, elevadores, embalagens eficientes, obras. Minha ansiedade se estampa nos dentes a mostra quando vejo tapumes, madeirites e andaimes ou novas cores nos pacotes, imaginando o novo sabor ali dentro. Visão panorâmica, elevador, tudo visto do alto.

Tapuio e trigueiro, nasci sob o frescor da sombra do capitalismo. Berrando, sem bolsos. Com o tempo, cresci com agência e conta bancária em atrito com a cruz e igualdade. No entanto, apanho pra entender porque alguém pensaria mais em Edison do que em Malthus.

Eu falei demais.

Vou ficar na oca, mesmo que represada pela barragem. Deito fora minhas coisas, a canoa. Eles pegam esse cabo de alta tensão. Enfiam no chão. Estou descalço e finalmente sinto o calor que é digno ao silêncio.

E bits e pixels somem neste texto que ninguém leu.

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