sexta-feira, 9 de abril de 2010

Seria o diabo o pai do rock?


"Campbell's Soup Cans" (1962), Andy Warhol

Não escrevo rock em itálico nem entre aspas.

Tenho medo do lado negativo do rock: o segregador e ignorante, a típica falta de diálogo do rock com o que não é rock. Pois é, essas coisas me deixam encucado. A popularidade do rock trouxe a venda e produção de música e instrumentos para uma dimensão industrial. Não conheço isso a fundo, mas não sei se cistres e alaúdes eram produzidos sem ser pelas mãos de um artesão. Mas e o violão e sua variante elétrica? É impressionante a variedade. Tanto que, depois do baixo e da guitarra elétricos, vários instrumentos foram adaptados a esse tipo de captação. Até aí, tudo ok. Mas é curioso como a mesma estética foi aplicada aos instrumentos. Nunca procurei saber disso, mas opções de tensão e material de cordas também existem no caso dos violinos, violoncelos, cavaquinhos, violas caipiras etc? Isso se aplica? Ainda não vi um bandolim em modelo stratocaster, mas já vi muito cavaquinho sem caixa acústica (aquele feio, só com o formato para apoio do braço e do corpo). Até acho válida a tentativa. Não pensei sobre isso ainda; tenho medo de dirigir uma crítica pesada a algo pelo qual eu apenas ainda não me acostumei. Não quero parecer retrógrado; tradicionalista eu posso ser, talvez.

Você pode ver que é difícil encontrar lojas de instrumentos musicais que não sejam só de baterias, guitarras, baixos, violões, microfones, pratos, cordas, pedais e acessórios. Ainda que sempre haja um porão da loja onde tem algo mais típico, mais tradicional ou regional. Não há uma prateleira cheia de tambores, alfaias, berimbaus, cabaças e caxixis de várias cores e tamanhos, umas mais caras que as outras por serem feitas de maple ou mogno, ou usar palhas de trigo ou de cana... Louco isso! A procura é pequena, e a música que antes era popular entre os jovens de 13 a 30 anos da cidade, de repente ficou de canto. Quer uma prova? Cresci num meio em que isso já era possível, em uma casa que acompanhava a explosão da venda de LPs de sertanejo e de pagode em plenos anos 90, junto de discos de hard rock. De um lado, Chitãozinho & Xororó e Raça Negra, de outro Guns N' Roses. Hoje eu vejo, ainda sem entender muito, o quanto cada um respondia as possíveis demandas de mercado.

Ah, as demandas! O mercado! Quero evitar o termo "alienação" ao tratar disso. Parece estranho pensar na música assim. Ainda assim, lá vai: acreditar que a campanha do Brasil no México em 1970 foi resultado da ditadura militar é bobagem. No máximo, o brilho da taça Jules Rimet pode ter sido usada para ofuscar os já míopes olhos do povo, em favor da hipnose coletiva, os gritos de gol amordaçando os berros da tortura, assim como o silêncio da democracia. Porém, não creio que seja assim.

Mas e os EUA? Bem, é fato que o contexto histórico favoreceu, mas não acredito que o rock dos brancos tenha sido uma manobra política - pelo menos, não desde o início. Pode ter sido explorado depois, ajudando esse sentido. É anacrônico avaliar hoje tudo o que o rock foi, é, será. Usar um estilo musical de um grupo restrito, tirá-lo de seu nicho próprio (como a bossa nova fez com o samba, longe do morro e perto da sacada do apartamento), financiar a indústria musical, subornar produtores (ou espiões disfarçados deles), mudar o som, a rentabilidade em detrimento da criatividade. A Fórmula Pasticcio-Pasteur mais uma vez. Hmmm... Em partes parece real. Isso não soa saturado demais? Já que tudo era especulação dentro da Guerra Fria, por que os soviéticos não investiram nessa ideia? A balalaika podia ser a guitarra dos estados socialistas! Mas Leo Fender e Lester Paul falavam inglês. O pop pode sim ser considerado uma manobra, ergh, digamos... imperialista (economizo essa palavra...), pois o rock foi, querendo ou não, um protótipo disso. A música pop, tal qual conhecemos, tem suas raízes no rock, tem sua projeção mundial.

Fruto da globalização, é fato. Seria o diabo o pai do rock? Enfim, não acho o rock culturalmente nocivo, desde que bem usado. Afinal, a Tropicália foi possível também graças a ele, assim como a Semana de Arte Moderna de 1922 não seria nada sem o "Ivanhoé" de Walter Scott e a "Estética" de Hegel - pois é, eu acredito que o Romantismo foi mais revolucionário do que o Modernismo, pois não mudou só a forma (com a criação do romance) como também seu conteúdo. Já xingaram Bob Dylan por trocar o violão pela guitarra. Passeatas contra a guitarra elétrica. Aquela famosa oposição da Jovem Guarda à Tropicália, tamanha bobagem. E no Brasil ainda há quem diga que rock só presta em inglês. Dizer isso é matar a maior de suas qualidades, além das ideologias, a rebeldia que beira ao Luddismo, o amadorismo punk e grunge, tudo que considero genial, ainda que com ressalvas: a capacidade de se expandir voluntariamente (ou não) e de se amalgamar (se for permitido).

No meio de uma safra indie rock, contamos com uma vertente brasileira de bandas esparsas que tocam rock regional. Conheço pouco, mas esse pouco é muito se comparado ao que se conhece por aí. Acho que essa sede faz parte do que ainda vou procurar ao rodar esse continente.

E, nessa busca pelos limites entre o autóctone e o superstrato, talvez eu descubra que a busca é uma bobagem.

Bom mesmo é calar a cabeça e aumentar um pouco o volume.

Um comentário:

  1. Eu sinto que o melhor que o Rock Nacional pôde produzir já passou, pelo menos em termos de atingir toda a nação. O melhor que temos agora, aqueles que aprenderam com nossos pioneiros, estão espalhados por aí nos bares, garagens e Universidades. Para o comércio não presta pois "lixo é o que vende" como dizia meu tio. Sinto MUITÍSSIMO a falta de ícones contmporâneos que não cantem apenas dores de cotovelo e imitem os sucessos gringos.
    Respeito os grandes precussores brasileiros remanescentes de 70/80 mas eles já não fazem escola.
    O diabo não cria nada, ele destrói, corrompe. Música, em sua essência mais crua, é divina, não importa o ritmo ou o gênero. A gente que faz besteira e aí surge o lixo-rock, o lixo-pagode, o lixo-lixo.
    Mas esse é um assunto pra se falar baixinho, pois a massa hipnotizada com lixo-pão e circo não vai gostar se interrompermos o rebolation-tion.

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