segunda-feira, 12 de abril de 2010

Alegria da Caverna


"Sempre mais do mesmo; não era isso que você queria ouvir?"
"Mais do Mesmo", Legião Urbana

Pôr os fones de ouvido do walkman, carregar sobre um ombro o minisystem com aquela fita K7, estourar os tímpanos nos PAs do Madame Satã ou andar sob a luz dos postes da Rua XV do centro de Santos. Dentro da noite veloz, contemplamos as sombras que se movem na porta da saída, da saúde, da saudade, como naquela velha alegoria. Uns morrem de overdose, outros estão contentes com suas carreiras estendidas e adiando aposentadoria, caminhando com discos das mais pedidas, ao passo que turmas novas aparecem com mais músicas e mais fãs. Essa safra no iPod pode tomar o lugar dos antigos? Seríamos nós, os nascidos em 80 e 70, os acorrentados na caverna que não enxergam o caminhar da carruagem e não cantamos o tom do terço?

O mau uso do rock não acontecia com a tríade do rock nacional, composta por Legião Urbana, Titãs e Paralamas do Sucesso. Sei que posso estar sendo injusto com outras bandas; porém, apesar da genialidade de Cazuza, o Barão Vermelho (que é muito bom) atendia muito mais ao formato blues rock do Rolling Stones do que o Paralamas fazia reggae do The Police, pois o trio carioca bebeu nas mesmas fontes brasilienses que bandas como Legião, Capital Inicial, Plebe Rude, Finis Africae e Detrito Federal beberam. Posso estar sendo injusto, mas não ignoro os setentistas do Camisa de Vênus, o folclore poser dos Secos e Molhados, a tendência funk de Roberto Carlos na início de sua fase católica, assim como o pioneirismo do rock poesia com Raul Seixas. O trabalho de cada um deles foi genial e é absurdo não serem lembrados numa discotecagem ou repertório. A influência que cada uma delas teve foi longe.

O benefício da iconoclastia e da amálgama fomentou a criação desse estilo, não só por intermédio de álbuns memoráveis, como também por excelentes músicas exploradas nas rádios. Depois de fazer a releitura punk da canção-protesto consagrada pelos nomes da música brasileira nos anos de chumbo, a Legião Urbana teve a sacada de misturar elementos do fim da Idade Média, assim como assimilou outras formas, como a literatura e a arte gráfica unidas ao amadorismo criativo. Titãs apostavam na multiplicidade, como o próprio nome diz, refletindo em suas composições as muitas caras que a banda é capaz de mostrar, sem necessidade de destaque para virtuosismos individuais. A escassez de recursos na época era um bem no processo de criação, porém, se percebe que algum limite foi ultrapassado. O rock perdeu a mão - e o instrumento.

As melhores bandas dos últimos tempos da última semana - NxZero, Strike, Fresno, ForFun, Hori, Hevo84, Restart e Cine - fracassam nesse quesito, pois se quer tentaram. Acima do meu gosto musical, da temática das letras ou do perfil de seus fãs, o que me mais incomoda é a falta de diálogo dessas bandas com o que é nacional.

Não digo que todo mundo tem que flertar com o carimbó, milonga, guarânia e lambada. Nos anos 1990, é verdade que mundo livre s/a (é em minúsculo), Eddie e Chico Science & Nação Zumbi foram tão singulares nesse diálogo que acabaram por fundar um movimento que ecoa até hoje, com o coco, maracatu, embolada, rap, ciranda, rock e música eletrônica; porém não é necessário ser tão múltiplo para ser um bom original. Um exemplo é o Charlie Brown Jr, que apesar de ter se tornado pop rock com virtuose instrumental, foi pioneiro na proposta de um som urbano e praiano, com influência de hard core, surf music e hip hop, assim como Raimundos, que fazia hard core com forró e a vocais na velocidade do repente. Planet Hemp defendeu sua ideologia em suas letras, revolucionando mais uma vez a discussão política através da música. O Skank continuou com a vertente reggae, dub e ska do Paralamas, investindo numa sonoridade regional e pop, mais uma vez retomando ao rock aquela folia que lhe é possível, lotando ruas mineiras assim como o axé faz nas ruas baianas.

Algumas bandas sobrevivem com seus fiéis fãs em pequenos circuitos, uma ou outra tem seu destaque, como Móveis Coloniais de Acaju, Vanguart, a falecida Gram e a sumida Ludov. Contudo, nunca tivemos tanta atenção voltada para o rótulo e não para o que borbulha dentro do vidrinho. Hoje em dia, o rock brasileiro está com prestações atrasadas, produzindo mais do mesmo, conta-gotas de soro e contando com a ajuda de aparelhos e sintetizadores. Gostando ou não, algo mudou, mas há pelo menos umas quinze bandas que reprisam essa mudança, como se houvesse um cartel de gravadoras empenhado em jogar distorção, samplers e letras grudentas dentro de um forma untada. Depois pode carimbar, rotular e vender.
Fazer música pra jovens era outra coisa antigamente; pois, afinal, mudamos de jovens.

Sonho saudoso com a intensidade e a intenção que havia na música que todos ouviam.

3 comentários:

  1. A geração que veio antes da nossa sofreu com diversas coisas, acima de todas, a ditadura, e isso contribuiu para um aprofundamento do sentimento patriótico, da atitude de protesto e da luta pela liberdade. Isso refletiu-se no rock da nossa geração. Mas a nova geração não viu nada disso, cresceu na globalização, na explosão tecnológica e num mundo de grandes eventos de pequena grandeza (nunca mais o Rock in Rio terá a significância que teve nas primeiras edições). Hoje é a época do comidismo. Deixa a corrupção pra lá, a má distribuição de renda, deixa pra lá, elas não rendem letras profundas e marcantes para um rock ou um pagode, vamos falar de... da mesma coisa, vai.

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  2. Será que somos nós que amamos o passado e que não vemos que o novo sempre vem?

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  3. No fundo é isso mesmo. Os anos 1980 tinham também umas 15 bandas que repetiam uma fórmula e não são sempre lembradas (Metrô, Blitz, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, RPM). Sempre se destaca alguma, mas é bom lembrar que quem vendeu mais foi o RPM, e não a tríade do rock brasuca.

    Pois é, é mais fácil repetir. É mais seguro pra fazer sucesso e ter um retorno a curto prazo. O problema é que nós não éramos como é o pessoal de hoje, que brilha os olhinhos sempre que uma banda surge. A indústria fonográfica os acostumou a isso, o imediatismo chegou ao entretenimento (e não só na alimentação, como o fast food). A gravadora cria a banda, explora o nome deles nuns dois discos (no máximo em uns três) e depois lança outra banda. Assim, o público não dá tempo nem de se cansar daquele artista, nem do artista criar algo decente.

    Imagina se Paralamas fosse só o "Cinema Mudo" (1983), Titãs fosse só o "Sonífera Ilha" (1984) e Legião, o "Legião Urbana" (1985)?!?!? Ainda bem que os tempos eram outros!

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