terça-feira, 28 de maio de 2013

Represent Cuba

"Dans ce meilleur des mondes possibles, tout est au mieux."

Candide, de Voltaire

Já fazia tempo que não se via tantos defensores de Cuba. Em visita recente ao Brasil, a filóloga cubana Yoani Sánchez foi repudiada por muitos e ovacionada por alguns. Esses são os benefícios da democracia, já pegando emprestado o teor que ela mesma assumia para se defender e legitimar as manifestações contra ela. Yoani é apontada como caluniadora.

As comparações são muitas entre Yoani Sánchez e o ciberativista do WikiLeaks Julian Assange. Não é necessário nenhum esforço em uma busca no Google para ver como muitos diminuem o papel da cubana e enaltecem o sueco por ele enfrentar grandes interesses capitalistas. Só questiono o WikiLeaks pela origem de seu conteúdo que vaza de todo lugar do planeta. Tudo soa muito inverossímil, a contrário de uma cidadã de um dado país, que vive os fatos, consulta documentos e recebe relatos para publicar no seu blog Generación Y.

Já ela é um contrassenso. Das duas, uma:

  1. Trata-se de uma mentirosa, talvez financiada por algum país que queira destruir um foco socialista; em tese, Cuba seria um país democrático, livre e ótimo para se viver, pois se a ilha fosse como a filóloga afirma em seu blog, o governo cubano a executaria ou, na melhor das hipóteses, não lhe daria voz;
  2. Ela, verdadeira em suas afirmações ou não, teria permissão do governo cubano para fazer suas declarações, que estariam de acordo com os moldes cubanos de censura – dentro de uma margem previsível de tolerância – e Cuba supostamente seria muito pior do que ela descreve.
  3. Bônus: há uma terceira opção, claro, que admite que ela esteja certa em partes; o regime castrista oprime, mas não é tão terrível, pois deixou escapulir a blogueira. ¡Es que se me chispoteó!

Se Yoani Sánchez se enquadrasse na primeira suposição – a opção mais confortável para defesa dos irmãos Castro –, ela seria o que George Orwell chamou em seu “1984” de despessoa – convidada a “deixar de existir”, “suicidada”.

Como ela não tratou de “desexistir”, pode-se inferir que só a segunda opção é possível.

Na ocasião de sua visita, pipocaram na rede trocentas matérias desmerecendo a blogueira. Era ataque vindo de tudo que é lado. O ataque mais agudo foi uma idolatrada entrevista de Yoani Sánchez com o francês Salim Lamrani. Está lá pra quem quiser ler. A entrevista possui todos os requintes de uma falsa interlocução: demérito, desconstrução da autoridade alheia, apresentação de fatos contrários sem base, carteirada e testemunho ocular questionável.

A primeira parte da entrevista se destina a denegrir a entrevistada. É a tática de desqualificar moral ou intelectualmente, ridicularizar para retirar o argumento de autoridade do indivíduo. Pouco existe de um verdadeiro embate de ideias. No lugar de enaltecer os próprios valores e expressá-los, rebaixa-se o valor dos outros.

Quem é atingido por esse tipo de texto? Gente que trocou o vão do MASP para protestar em teclado QWERTY; ou melhor dizendo, o espectro que compreende desde os usuários do Acessa São Paulo até os tablets com senha do wi-fi do Starbucks. Fora disso, todos estão muito ocupados cumprindo o seu papel de “não se envolver com política” ou expondo suas opiniões vendo o programa do Datena.

Igual ao que vi na entrevista do Pr. Silas Malafaia no programa De Frente com Gabi, essa entrevista deixou os dois lados satisfeitos. Quem é pró-Fidel achou que a Yoani é fraquinha, carta na manga do Tio Sam, uma versão macartista de Assange. Quem é contra o atual governo de Cuba percebeu que a entrevistada estava sendo encurralada com perguntas idiotas para proteger um ideal.

Tenho a impressão de que isso é manobra para “caosar”, jogar todos contra todos e ver o cerco fechando. A intenção pode não ser essa e tampouco há meios de provar a crença de um ódio mútuo teleguiado; mas o efeito é claro, é exatamente esse. No cabo-de-guerra, não tem como não irritar os dois lados.

Depois de alguns meses, sinto alguma pontada de otimismo dentro daquilo que dizem sobre o brasileiro “ter memória fraca”. Na melhor das hipóteses, Dr. Pangloss diria que “vivemos no melhor dos mundos possíveis e tudo está para o melhor”; as pessoas, discordando umas das outras ou não, agora refletem sobre Cuba e, se refletiram equívocos, torço para que já tenham esquecido. E voltamos ao Curdistão.

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