"Dans ce meilleur des mondes possibles, tout est au mieux."
Candide, de Voltaire
Já fazia tempo que não se via tantos defensores de Cuba. Em visita recente ao Brasil, a filóloga cubana Yoani Sánchez foi repudiada por muitos e ovacionada por alguns. Esses são os benefícios da democracia, já pegando emprestado o teor que ela mesma assumia para se defender e legitimar as manifestações contra ela. Yoani é apontada como caluniadora.
As comparações são muitas entre Yoani Sánchez e o ciberativista do WikiLeaks Julian Assange. Não é necessário nenhum esforço em uma busca no Google para ver como muitos diminuem o papel da cubana e enaltecem o sueco por ele enfrentar grandes interesses capitalistas. Só questiono o WikiLeaks pela origem de seu conteúdo que vaza de todo lugar do planeta. Tudo soa muito inverossímil, a contrário de uma cidadã de um dado país, que vive os fatos, consulta documentos e recebe relatos para publicar no seu blog Generación Y.
Já ela é um contrassenso. Das duas, uma:
- Trata-se de uma mentirosa, talvez financiada por algum país que queira destruir um foco socialista; em tese, Cuba seria um país democrático, livre e ótimo para se viver, pois se a ilha fosse como a filóloga afirma em seu blog, o governo cubano a executaria ou, na melhor das hipóteses, não lhe daria voz;
- Ela, verdadeira em suas afirmações ou não, teria permissão do governo cubano para fazer suas declarações, que estariam de acordo com os moldes cubanos de censura – dentro de uma margem previsível de tolerância – e Cuba supostamente seria muito pior do que ela descreve.
- Bônus: há uma terceira opção, claro, que admite que ela esteja certa em partes; o regime castrista oprime, mas não é tão terrível, pois deixou escapulir a blogueira. ¡Es que se me chispoteó!
Se Yoani Sánchez se enquadrasse na primeira suposição – a opção mais confortável para defesa dos irmãos Castro –, ela seria o que George Orwell chamou em seu “1984” de despessoa – convidada a “deixar de existir”, “suicidada”.
Como ela não tratou de “desexistir”, pode-se inferir que só a segunda opção é possível.
Na ocasião de sua visita, pipocaram na rede trocentas matérias desmerecendo a blogueira. Era ataque vindo de tudo que é lado. O ataque mais agudo foi uma idolatrada entrevista de Yoani Sánchez com o francês Salim Lamrani. Está lá pra quem quiser ler. A entrevista possui todos os requintes de uma falsa interlocução: demérito, desconstrução da autoridade alheia, apresentação de fatos contrários sem base, carteirada e testemunho ocular questionável.
A primeira parte da entrevista se destina a denegrir a entrevistada. É a tática de desqualificar moral ou intelectualmente, ridicularizar para retirar o argumento de autoridade do indivíduo. Pouco existe de um verdadeiro embate de ideias. No lugar de enaltecer os próprios valores e expressá-los, rebaixa-se o valor dos outros.
Quem é atingido por esse tipo de texto? Gente que trocou o vão do MASP para protestar em teclado QWERTY; ou melhor dizendo, o espectro que compreende desde os usuários do Acessa São Paulo até os tablets com senha do wi-fi do Starbucks. Fora disso, todos estão muito ocupados cumprindo o seu papel de “não se envolver com política” ou expondo suas opiniões vendo o programa do Datena.
Igual ao que vi na entrevista do Pr. Silas Malafaia no programa De Frente com Gabi, essa entrevista deixou os dois lados satisfeitos. Quem é pró-Fidel achou que a Yoani é fraquinha, carta na manga do Tio Sam, uma versão macartista de Assange. Quem é contra o atual governo de Cuba percebeu que a entrevistada estava sendo encurralada com perguntas idiotas para proteger um ideal.
Tenho a impressão de que isso é manobra para “caosar”, jogar todos contra todos e ver o cerco fechando. A intenção pode não ser essa e tampouco há meios de provar a crença de um ódio mútuo teleguiado; mas o efeito é claro, é exatamente esse. No cabo-de-guerra, não tem como não irritar os dois lados.
Depois de alguns meses, sinto alguma pontada de otimismo dentro daquilo que dizem sobre o brasileiro “ter memória fraca”. Na melhor das hipóteses, Dr. Pangloss diria que “vivemos no melhor dos mundos possíveis e tudo está para o melhor”; as pessoas, discordando umas das outras ou não, agora refletem sobre Cuba e, se refletiram equívocos, torço para que já tenham esquecido. E voltamos ao Curdistão.
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