sábado, 4 de outubro de 2014

Dessaber

Paradigma político brasileiro > Ensaio Sobre A Cegueira > The Walking Dead

Do mais traiçoeiro e real ao mais simplório e inofensivo, eis a gradação de cenários, em que vemos os perigos mais sutis nas outras pessoas.

Por que isso? Veja os pontos. Há uma tragédia em "The Walking Dead", os zumbis, que não pensam e só atacam. Os problemas reais são os sobreviventes, que se realocaram de acordo com o novo cenário, em que é preciso sobreviver e disputar recursos limitados. Frente a isso, os zumbis são apenas um limitador, um risco visível e até caricato.

Em "Ensaio Sobre A Cegueira", os problemas dos sobreviventes se repetem, exceto pelo fato de não haver uma distração como os zumbis. De repente, todos estão cegos e só os grupos pequenos sobrevivem. Há de se confiar na voz e na palavra dos outros, ou desconfiar para permanecer vivo. Mocinhos do dia-a-dia viram vilões, os mau-encarados ficam ainda mais hedonistas, os fracos perecem etc.

Comparada às posições políticas no Brasil, a cegueira do livro do Saramago é muito ingênua. Ninguém é vilão de fato, tampouco herói. Todos juntos compartilhamos gostos, histórias, gargalhadas, mas também uma discordância política diametralmente oposta. E também temos que sobreviver, lado a lado ou não.

Na prática, tudo funciona como um trem lotado. Apertados como uma lata de sardinhas sobre trilhos, os passageiros sofrem de um problema comum: falta de condições mínimas para a viagem digna e segura, provocadas por uma má gestão do governo ou concessões malfeitas para o transporte público. A reação? Descontam uns nos outros, cada um com a convicção que lhe convém. Disputam espaço e partilham faíscas. O atrito dos trilhos. No final, todos são cidadãos, eleitores, e estão indo fazer a mesma coisa: trabalhar.

Esse paradigma é o momento em que pilares como "amizade" e "família" são colocados em cheque. Tudo meio dúbio, confuso... Para que possamos conviver, tocamos em frente esse fair play, fingimos esse deixa-disso, pois qualquer exposição de opinião, minha ou sua, servem de munição para essa guerra de ideias. O convívio de opostos é necessário, mas o ponto em que chegamos não é nada sadio.

Reconheço que admiro a convicção política dos meus pares. Ficaria feliz em saber que posso escolher entre tudo que está aí, uma vez que todos fazem parte do mesmo espectro político do qual acredito. Mas não é meu caso. Realmente, deve ser muito bom acreditar em propostas, mesmo ignorando o fracasso sucessivo dessas tentativas, se agarrando ao carisma de certas personalidades e torcendo por uma causa tal qual o time do coração.

Admito: me enganei e fui ingênuo achando que tudo isso acabaria junto com as Eleições de 2014. Acreditei que, depois das eleições, as amizades sobreviveriam. Sobrevivem sim, mas as bandeiras empunhadas tornam as relações muito voláteis. Amanhã pode ser qualquer coisa. Vilão e mocinho, certo e errado, igualdade e liberdade; categorias obsoletas.

Ou desisti de conviver com a verdade dos outros ou acordei mais pessimista que o normal. Talvez seja a falta de representatividade do que penso, que faz eu ficar mais azedo e me trancar nessas linhas acima.

A chave? Não basta não se importar com política, até porque é impossível depois de tudo que li. Mas a pílula azul do Morpheus iria bem agora.

É necessário deixar de saber.

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