quarta-feira, 26 de junho de 2013

Derrapagem

A última semana é a prova cabal de que toda pessoa é um indivíduo político. Nada escapa de algum ideário. Quando os protestos começaram, me vi indeciso frente aos lados. Acima da comoção, a desconfiança de entender o evento em movimento atrapalha qualquer adesão imediata, ainda que os motivos da massa sejam os mesmos que os meus. O receio de me desobedecer: pecar por omissão, caso não participe ou não divulgue algo justo, ou pecar por ação, panfletando por algo injusto? Eu, como qualquer pessoa, respondo por determinados valores quase como uma carteirinha de clube. Tenho rabo preso, sim. A senhora que passou a vida inteira se esquivando de política também responde a um valor. O aluno bagunceiro também tem os seus. Pode soar romanceado, mas é verdade, não estou generalizando. Absolutamente todos foram obrigados a repensar determinados pontos da vida pública, por menos que se importassem com isso. A cobertura da revolta alcançou todos; quanto menor era o compromisso com o mundo, maior era o baque com o tamanho das manifestações. Escolher um lado era outro passo. O convite às ruas estava dado e comparecer era sim uma escolha.

A televisão começou a cobrir as manifestações quando elas passaram a ser diluídas de um ideal único, o que chamou ainda mais gente. A interpretação dos manifestantes iniciais é que o apelo televisivo e a posição panorâmica das objetivas diluíram o movimento. E assim voltamos ao dilema de quem veio primeiro, se foi o ovo ou a galinha. Por eu ter uma maioria de amigos esquerdistas, as críticas que vi nas redes sociais questionavam o movimento ter sido desviado do seu objetivo, que talvez o restauracionismo fosse a melhor saída, restringir os protestos apenas àqueles que já faziam parte (ou, se eu fosse esquerdista, sugeriria embuir os novos manifestantes do mesmo ideário dos primeiros). É óbvio que muitos estavam na rua por comoção da violência do dia 13 e tiveram o final de semana inteiro para serem expostos a todo tipo de motivo para protestar. Colunistas justificaram a turba pelo argumento do cansaço coletivo, o argumento do copo transbordado no leite derramado, o que também é verdade.

A pluralidade de pautas mostrada nos cartazes não marca apenas essas pessoas como manifestantes de butique, mas sim como essas pessoas não sabiam mais o que era protestar, como se vê na festa que virou. Tirando algumas boçalidades ("menos corrupção e mais loiras"), mesmo os cartazes de xingamentos vazios e cartazes sobre os preços abusivos de consumo supérfluo mostram esse despreparo para protestar – mas são totalmente legítimos. Esses "coxinhas" pedem o efeito, e não a causa como prega o método esquerdista tido como cartilha de protesto. Ao pedir por iPhone barato, deve se pedir indiretamente uma reforma tributária, incentivo à indústria nacional, fim do metacapitalismo; essa lista formalizada não entra nos cartazes porque o novo agente social, o imaturo "coxinha", não conhece os meios de exigir ou sequer identifica as causas que geram um preço injusto. As críticas ao "coxinha" são devido a esse caráter alienado estar escancaradamente escrito em cartolina, gritado em palavras de ordem que pedem soluções egoístas e vagas. A recente busca por fazer um protesto apartidário (convertida ou não em gesto antipartidário) expressa a intenção desse novo agente social em permanecer sem rótulos ideológicos cartesianos, querendo provar ser possível ser politizado e apartidário, pautados apenas pela não violência e por soluções práticas imediatas – ainda que não refletidas sobre a viabilidade dessas soluções. Essa "massa nova" não sabe as possíveis consequências disso, desse tal apartidarismo, e reivindica para si o título de "povo" ou "gigante", assim, exclusivo. Em São Paulo, a assertiva do dia 19 de que na segunda-feira, dia 24, a tarifa voltaria ao seu valor foi um gesto de urgência (tardia, caso não seja planejada) em resposta a esse clamor.

A face da classe média manifestante, aquela que também faz parte do apelido "coxinha", é uma maioria que não quer uma polarização, sem saber, ingenuamente, que faz parte de uma. Estar em cima do muro partidário já é ter uma decisão; pode até parecer isento de posição política, mas não assumir uma bandeira cabe sim em uma premissa de partido. Premeditada ou não, a omissão em si já é uma escolha.

Essa ilusão de imparcialidade somada a comoção, mais a imagens e depoimentos de posturas "fascistas" me preocuparam demais. Há algo de podre em mais uma polarização, que por vezes soa fabricada, mas não sei delimitar ao certo com medo de apoiar teorias da conspiração – estas que ultimamente ganham muita força. Essa preocupação não cabe nesse texto e deixo para o próximo. Sei que, nesse cenário, algo me diverte muito, apesar das rugas e das consequências negativas do meu riso. É o sentimento de exclusividade, de que alguns "nunca dormiram" enquanto a turba coxinha lidera os números em marcha e delira com "o povo acordou". O copyright hipster do movimento imediatamente foi justificado pela popularização dos protestos e pelas "denúncias" de direitistas infiltrados como quem aponta um vândalo no meio de uma multidão pacifista.

Pode ser verdade, não descarto, apenas duvido e questiono se isso é nocivo ou se assim deveria ser tratado. Ora, se fosse verdade, entendo que a presença direitista em um movimento de origem esquerdista nada mais seria que a derrapagem: os jacobinos de outrora se tornaram girondinos e hoje sofrem do mesmo mal que fizeram seus rivais sofrerem; a "revolução" ia bem, mas minguou na mão dos recém-chegados que destoavam tanto dos pioneiros. Bem feito e obrigado (ainda vou me arrepender disso) por começar.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Idade das Trevas: crie a sua!

Tacar pedra em policiais é fichinha. Pichar ônibus, saquear lojas, parar o trânsito. Tudo ingênuo. Sei que estou privilegiando uma exceção nesse instante de “manifestações pacíficas”, mas nada é pior do que privilegiar uma maioria, que no caso desses dias são os manifestantes.

Ativistas virtuais se dividem entre o amor, a esperança de um novo país, interesses egoístas, exigências de direito autoral por protestos, rótulos de mídia conservadora, bando de baderneiros, massas de manobra, ilusões apartidárias, esquerda e direita (a gosto) oportunistas, medinho de golpes etc. Enfim, alguma coisa está dentro da ordem.

Para impedir o pior, faça o seu próprio. Algumas dicas:

A tarifa de luz caiu? Talvez não o bastante. Lembrando que é época de festa junina e vendem muitos fogos. Vamos pensar em 5 mil pessoas, coisa pouca perto dos números aí. Se esses 5 mil se dispersassem pelas ruas e soltassem um "12 tiros" em cada transformador? Os carros e técnicos não chegariam nos pontos danificados e não teriam peças suficientes para reposição nos postes.

Tudo no escuro. Toque de recolher. Além das terríveis consequências, a criatividade doentia pode ir mais longe: as luzes acesas por geradores iam estar ali, nas janelas, apontando quais alvos a turba deve atacar num ódio de classes. É só saber qual bairro marcar o encontro do Ato.

Outra dica? Estamos longe do verão, mas é importante pensar no futuro. Janeiro chove muito. Peguem as lixeiras e entupam os bueiros. Claro que isso ia atrapalhar a vida de gente mais simples, mas há um alvo específico no movimento?

Há poucos meses, as operadoras de telefonia celular prometeram melhorias em seus serviços. Sabemos que celular deixou de ser luxo e é uma necessidade. Sem fio e, caso não haja luz, pode ainda ter bateria. E se não houver sinal? As antenas estão por aí; empreguem a força necessária nos portões e arrebentem uma a uma.

A mesma força pode chutar alternadamente os portões da companhia de abastecimento de água. Nunca entrei numa e não sei se há algum sistema de segurança. Mas na hora saberiam o que fazer.

Você, que delira babando, pirando, tocando fogo. Você, suprassumo da civilização. Tem medo de golpe comunista? Rotula qualquer coisa oposta a você de "fascista" e "corrupta"?

Não perca a chance de criar sua própria idade das trevas.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Revolta do Vinagre

A Revolta do Vinagre começou em junho de 2013. Assim como a proporção que o movimento tomou até hoje, dia 17, os motivos de seu início são muitos, dispersos e escusos, não parando nos vinte centavos de aumento da tarifa do transporte público paulistano.

A comoção gerada nas redes sociais tem o mesmo efeito imediato dos escândalos criminais do país na televisão. A diferença está na mobilização que extrapola o papo de bar e fica na sua cabeça antes de dormir; no quanto sua indignação, tão particular, pode ser usada para mudar algo – ou, na pior das hipóteses, ser usada para derrubar uma ordem vigente em prol de um projeto político que você abomina. Estou vacinado contra essas comoções justamente por conviver com revoltas pasteurizadas que possuem várias facetas (entre as quais muitas discordo mas defendo) e no fim, reunidas, compõem uma plataforma tão coesa que tem até nome. A despeito disso, que em nada impactam no espaço em que são debatidas, essas ideias passaram a ganhar uma importância maior com o alcance da mídia atual mais poderosa e mais desacreditada que existe: a internet.

Toda tropa tem seu estandarte. Por mais que você queira, esse movimento não é apartidário. Se fosse, não haveria necessidade de erguer bandeiras de partidos como as que você viu nas fotos, as mesmas que vi pessoalmente na última quinta-feira, dia 13. Não viva essa ilusão.

As divergências internas do movimento foram usadas pela classe média coxinha (repito, “coxinha”, e não necessariamente de direita, por favor) para afagar suas posturas elitistas. A tal divergência (que virou desculpa) foi o vandalismo contra o patrimônio público. Sua função é a mesma de parar uma avenida importante: chamar atenção inserindo os transeuntes e telespectadores na realidade, fora da rotina casa-trabalho/escola-casa mais tevê – daí a necessidade de parar locais movimentados e não uma viela qualquer. Não vou discutir depredação, porque direito à propriedade e usufruto de bem público é bom senso e quem lê esse blog sabe o que acho disso.¹

Quer ir ao protesto? Vá, mas saiba o motivo de sua ida. Escolhi ir porque o movimento não tem forma, por maior que seja o esforço da mídia em rotular seus membros com nomes ou fotografando um gênero (jovem/universitário/de humanas/revoltado). Quem já foi sabe que não é só isso. A polícia já assumiu a dificuldade em traçar perfis fiéis dos participantes, devido justamente à pluralidade dos motivos de protesto, que unem pessoas de todo tipo – incluindo aqueles que me têm como rival.

Vá, mas por um motivo racional e não por comoção. Se você lê esse blog e só encontra bobagem aqui, provavelmente deve apoiar as bandeiras na frente. Pois bem, vá de consciência limpa. Se não quer ir porque não vê algo dando liga a tudo isso, ótimo! Vou te contar um segredo: também concordo contigo. Ainda que sejam motivos plausíveis, não há elo prático entre eles. Qualquer reivindicação que hoje move um a um para o Largo da Batata são vontades ansiosas para virarem algo. Tenho consciência que minha presença pode ser usada contra o que acredito, mas já refleti demais sobre o assunto e assinei com meu sangue. Eu jamais perderia a chance de estar ao lado de gente tão querida em algo que finalmente concordamos em apoiar.

¹ Lembre de quando era criança e via o telefone de um orelhão fora do gancho. Sentiu piscar um siricutico pra colocar o telefone no seu lugar? Imagina uma lixeira jogada no chão. Claro que depredações não justificam nada e só fazem qualquer movimento perder apoio do público, mas acredite, o vandalismo é o menor dos males desses protestos. É importante ressaltar que é exatamente esse tipo de conduta que a polícia precisa para agir. Aprenda de uma vez: por mais que policiais estejam propensos a abuso de autoridade, eles são funcionários títeres de táticas e ordens. Pra isso recebem holerite. Tua revolta pessoal pode ser direcionada a um ou outro, pode até ser generalizada por acreditar que a corporação policial fornece as condições ideiais para repressão física, mas tenha em mente que sua revolta física e permanência no front em nada adiantam contra quem realmente os ordena. Se você for para um protesto para depredar, saiba que a maioria discorda de você; não abuse da compreensão e passividade dos seus colegas.