quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Mba'e poxy

A'e ambyasy. Abá ogûatá akûeî okype. Akûeîa, abá okaru.


A tormenta era um prumo desgovernado. Sorria depois de piscar pesado diante do próprio reflexo na janela do metrô. No túnel, o barulho do atrito do trilho rasurava qualquer pensamento. Era uma espátula raspando o canal do ouvido. Ainda assim, teimava na acidez do dia. Muito seco, finalmente choveu, ainda que não estivesse frio o bastante; não havia comido o suficiente; o dinheiro já era curto na primeira semana do mês.

Agosto parecia não ter fim. O calendário dizia outra coisa.

Depois de horas sentado e relaxado, naquilo que poderia ser um dos dias mais amargos, animava quem estivesse por perto com as próprias palhaçadas. Aliás, a iminência do pior passou, e seu fedidinho ainda ficava no ar. Mas tinha fome e prometia vingança. Parada obrigatória no primeiro mercado no caminho de volta para casa e ataque aos hambúrgueres e queijos. Pão já tinha em casa. Pagamento no crédito, já que só restavam trocados para os próximos dias.

Ônibus rápido na ponte livre, uns homens se vendendo como mulher na sombra, perto da rotatória.

De algum lugar ali perto, vagava o preto. Cambaleambulante, queria quatro pedras na mão. Uma garrafa de cerveja quente pela metade, era tudo que tinha. No fundo, quanto mais melanina asfaltava seus poros, mais sensível era a palavras sobre a negrice. Podia ser o vazamento da British Petroleum ou recapeamento de vias. Não importava; era tudo preto, podiam estar falando sobre ele.

Se fosse dia, só diriam que era mais um imigrante que fazia mestrado ali.

Tinha tanta raiva que sentia poder deitar um.
Passou na primeira cozinha do bloco que viu. Era aquele mesmo. Mas não era ninguém, era só uma sombra da janela. Foi pra outra, e outra, e nada; semana da pátria de um país estranho, todos iam ver suas famílias e muitos apartamentos vazios. Sombras, vultos; não pessoas. Perguntava para si que caminho pegar, e a garrafa respondia que estava quase lá. O preto finalmente encontrou. Queria um, tinha dois; não havia problema se sobrasse troco.

Duas silhuetas do vídeo formavam um contorno no azulejo. Numa cozinha, comia mais hambúrgueres. Ela também comia, com guaraná e assistindo um enlatado no laptop. Depois de lavar a frigideira, duas canecas na mesa e a luz apagada, mais um episódio.

A tela em suspense e momento tenso interrompido. Um homem de cabeça raspada ou careca, estatura média, bem negro, deposita sutilmente a garrafa sobre a mesa e tira o casaco. Sobe num dos bancos, se desequilibra e parte pra cima.

O preto flertava com a vertigem. Era forte o bastante para dar a certeza de que, se estivesse sóbrio, dividiria os dois em quatro.

Nenhum dos três lembrando direito. Imobilizados, chamando os guardas, nada grave.

Uma e meia da madrugada e longos minutos de reflexão.

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