quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

9/11 Blockbuster


"Tá lá o corpo estendido no chão"
João Bosco em "De Frente Pro Crime"

Há um certo prazer coletivo mórbido em acompanhar eventos obviamente ruins. Escândalo político, atentado terrorista, vírus, tragédia ambiental, apuração do carnaval etc. Adoro todos eles.

Lembro que me indignava quando as pessoas paravam o trânsito para ver o acidente. Mais tarde descobri que faço igual quando o assunto é outro. Já tentei me justificar dizendo que é um sentimento humano e comum a todos, mas é só generalização. Isso soa muito buzzfeed e science porn pra mim.

O prazer coletivo mórbido não é apenas observar. Ele anseia por ser multiplicado, por expandir ao máximo o gozo pela tragédia. Não é só algo que escape da rotina: quem olha a vítima do acidente de trânsito quer prolongar aquela sensação.

Se isso soa absurdo, substitua o corpo por qualquer notícia chocante que lhe chame a atenção. Você vai ler cada linha. Vai se deleitar com o quem, o quando e o porquê daquilo. Vai cavar informações com mais sede e determinação que um bombeiro retirando escombros.

Chame essa curiosidade de qualquer coisa. É possível justificá-la e moralizá-la como bem entender. Minha predileta é "estou procurando saber mais pois quero evitar que isso se repita".

Claro, há tragédias que não despertam a atenção de determinados grupos. Estranhamente, casos de assédio sexual e operações da Polícia Federal não são objetos de deleite das mesmas pessoas. Quem compartilha desse prazer está lá para prolongá-lo. A tragédia é um fenômeno social que precisa ser comentado em grupo.

Uma das coisas que mais me marcaram sobre esse prazer, além dos memes e dos círculos em que se propagam, foi uma cena do filme "A Grande Aposta" (The Big Short, 2015). Não sei os detalhes da produção, mas sinto que Brad Pitt estava lá para ter o nome e o rosto no cartaz. Porém, vem ele com a cena que mais me marcou no filme. A tragédia ali era o mercado imobiliário americano. Os espectadores dessa tragédia (limitados a um grupo pequeno) ainda mexiam as peças no tabuleiro para reagir ao que viam e que poucos percebiam.

Num momento, uma dupla conta com a ajuda de Ben Rickert (Brad Pitt) e, ao perceber o quanto lucrariam com a tragédia generalizada, comemoram muito. E Rickert lhes dá um esporro por comemorarem aqueles números. Por trás daquilo, haveria mortes, desemprego e um desequilíbrio que impactaria pessoas de verdade, e não apenas números.

Estatísticas não despertam compaixão em ninguém. Quando falamos de gráficos e percentuais, não se vê quantas histórias pessoais serão prejudicadas ou os sonhos arruinados.

A corrupção exposta, por exemplo, desperta minha vaidade de que algumas decisões do governo foram grandes equívocos e que terão justiça. Meu prazer ao ver o avanço das investigações só considera o mal que será reparado; não levo em conta as futuras vítimas desse processo. Isso também vale para o caso do crash imobiliário americano e a reação da dupla de "A Grande Aposta" ao ver o lucro pessoal no futuro.

Não proponho uma lição de moral (pois já temos em excesso), nem uma relação de causa e efeito no distanciamento que a internet nos traz, nem nossa demanda bovina por notícias ou reflexões sobre relatos de terceiros. Apenas sinto que vale a pena observar a nós mesmos rindo do que rimos. Quando ignoradas as consequências, a tragédia é o maior dos entretenimentos, o roteiro mais atraente.

O número de mortos é o placar mais empolgante. Confesse.

Nenhum comentário:

Postar um comentário