segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Revolver

É claro: nessas semanas São Paulo esteve mais vazia. Graças a Deus - ou ao filho Dele, que apagou mais uma das suas infinitas velinhas. Para celebrar a nossa saudade e comemorar a nossa solidão, ergo um brinde a todos zero leitores desta página. Fico contente de saber que ninguém perde seu valioso tempo com isso aqui. Tela de computador não é preciso; viver é preciso. Lay down all thoughts, surrender to the void. Morro de saudade de tocar com meus amigos. Amanhã não se sabe. Poderia aproveitar a ocasião pra xingar e pichar tudo. Puf. Puf. E limpar as digitais do revólver pra assumir a hipocrisia. Porém, prefiro postar um poema nada recente que resume a multidão-solidão paulistana. No íntimo, sei que todo mundo se sente um pouco único; hoje é a minha vez de chiar atenção, assobiar aos holofotes. Pronto, falei.

Débito automático

Nada se consuma, tudo se consome
Tiros na fuselagem da minha alma empenada
Cartazes e buzinas ofuscam
Tristeza é diluída em usuário e senha
Nos passos de quem tem pressa
No bom dia – do olhar que desvia
Na conversa de elevador
No pedinte – e no ouvinte que mente
Na decepção que não dá atestado médico
Tolera nenhum atraso
Nas contas que estragam o feriado
Pedido de licença, ss cabisbaixos
Panfletos na rua, boletos em casa
Na cesta básica – ou ácida –
Deleite em lata condensada

Seus ideais parcelados no crediário
Ora admitido, ora demitido,
Assim se cumprem doze trabalhos
A página de classificados
Listam os eliminados
No cego olho da rua a vista.

Invasão de rádio-freqüência
Antenas urram mais câmbio, menos câimbra
Fluxo de anônimos esperando sinal verde
Atônitos, autômatos:

Um calo na garganta
que se calou e não mais canta
São mudos que não mudam nada
Mas mesmo quem fala
Não se ouve ou vê: se esconde
- Tá muito barulho.

Não são quatro estações
Foram quatro invernos
Quatro não-verões
O turvo entope o bueiro e o ralo da voz
O peito emperra ao respirar o sólido
O empate inspira o céu nublado
Grãos de carbono proíbem o sol
E decretam a tosse.
Rodízio implacável de vidas

Um comentário:

  1. Não acho que perdi meu tempo vindo aqui, gostei do que li, me identifiquei com muito. Embora eu seja paulista também, creio que multidão-solidão é inerente à Humanidade e se aqui (USA) não for a capital, então é o Japão!
    Deixe de birra e nem pense em pichar. Este canto aqui é seu para você mesmo, mas pode apostar que muita gente lê - só não comenta. Experiência de quem teve blog por quase três anos e acabou de ressucitá-lo.
    Abraço.

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